Postagens de maio 22nd, 2011


Bosque é um lugar que deveria se chamar busque…

Úmido, verde escuro, com raios de luz insistentes, que procuram driblar as folhas distraídas, na verde-esperança de conseguir conversar com a terra… Cheiro de mata, de mato, de chão, de musgo, num arco-íris de aromas, que os bichos da cidade, donos de outros idiomas e linguagens, vertem para “ar puro”.
Caminho por esse bosque querendo muito estar com os pés descalços, mas o medo de insetos estranhos, e a lembrança sempre presente de quem já brincou de pique- esconde em cima de um formigueiro, me fazem achar o tênis um grande invento da “natureza”… Mas é só olhar prá cima e ver alguns pássaros, que logo esqueço dos meus pés. Eu me esqueço das coisas incômodas olhando para cima (como quando procuro pelas minhas “estrelas”) e me lembro das coisas incômodas olhando para dentro…
Vejo pequenos arbustos escondidos por entre as árvores que insistem em filtrar os raios de luz, e me dou conta de que há muito mais coisas escondidas naquele bosque…
Mais à frente e muito bem escondida, está uma pequena jabuticabeira. Penso que Eva mordeu a maçã por falta de opção. Com certeza ela não estava num bosque tropical, onde há diversas opções de frutas bem mais saborosas que a insossa maçã, e também ainda não haviam criado a culinária, prá transformar a insossinha numa torta ou num bolo de maçã. Isso talvez tivesse dado à humanidade que acredita nessa história, um toque mais quente… Até como “do amor” a maçã é uma decepção depois da primeira mordida e, cá prá nós, uma banana tornaria a historinha muito mais sugestiva e divertida…
Agora se a Eva topasse com uma torta de maçã, ela poderia convidar o Adão para comê-la com chantilly. Isso sim seria um pecado original, porque comer maçã por maçã, qualquer formiga já devia fazer antes da Eva, mas não entrou para a história porque era uma formiga… A única formiga que entrou prá história foi a da fábula, e assim mesmo porque estava acompanhada de uma cigarra que fazia barulho…
Mas voltando à jabuticabeira… caio de boca nas frutinhas sem esperar por nenhum Adão.
Quando já estou completamente empanturrada, me dou conta de que a hora passou e que… nossa, é mesmo!!
Aí você deve estar pensando: o que ela estava fazendo nesse bosque?
Eu respondo: eu tinha um encontro marcado com o lobo mau, mas perdi a hora e ainda errei de endereço: bosque não é floresta!
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Sempre tive medo do mar, mesmo o achando lindíssimo e morando numa cidade praiana…

Às vezes chego a pensar que, se tive outras vidas, acabei muitas delas no mar…
Respeito o mar o suficiente para observá-lo sempre de longe, nunca dentro dele, salvo em embarcações e, mesmo assim, sempre atenta à possibilidade de, num caso de acidente, ter que cair no mar e nadar rápido o suficiente para que ninguém num momento de desespero se grude a mim e acabe de vez com as chances de sobrevivência mútua. O mar sempre me passa melancolia por seu infinito…
Conheço gente que tem essa melancolia e essa espécie de angústia com o infinito do céu e o fim da humanidade, ou com a sensação de infinito dos trilhos de trem.
A sensação de “imagine um ponto no espaço” das aulas de matemática é potencializada em mim quando estou frente ao mar.
Adoro ver pinturas e fotos de mar, e até mesmo de um bom passeio à beira-mar, mas dentro dele não entro há mais de 30 anos. Mesmo em pinturas, sinto algo estranho. Lembro-me que estava num museu e ao ver pinturas entre 1750 e 1800 de ondas gigantes e maremotos, fiquei impressionada.
Ontem eu tava dando uma aula, e meu aluno estava fazendo um movimento exagerado com os dedos da mão esquerda. Ao invés de só abaixar e levantar os dedos, ele estava fazendo movimentos circulares, o que atrasava completamente a emissão das notas.
Na hora, fiz uma analogia com o mar: “você já reparou que quando alguém está se afogando, sempre levanta e abaixa a cabeça em movimentos circulares, ao invés de abaixar e levantar em linha “reta”, como fazemos nas aulas de natação, que nos proporciona ar mais imediato?” “Pois bem, você está se afogando no contrabaixo.”
Já andei de canoa em rio com jacaré e piranha, mas a sensação de desconforto acontece sempre em rios grandes e no mar.
O mar é um infinito que me incomoda e me dá medo…
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Cachorros sempre foram meu sonho de consumo quando criança pois, até os meus 15 anos, minha mãe nunca permitiu a entrada de bichos em casa.

Dizer que cachorros representam companheirismo, alegria, cuidados, fidelidade e etc, é muito lugar-comum, mas não há muito que improvisar nessas definições…
Posso acrescentar que um cachorro significa também saudade, lágrimas, angústia, nostalgia e muita, mas muita saudade, e que os meus todos viraram estrelas. Muitas vezes olho para o céu à procura deles (e de alguns dos meus mortos humanos mais queridos) e os acho nas estrelas bonitas que vejo por lá…
Cachorro representa a mortalidade e a transcendência dar dor para o sorriso, que a gente só consegue entender quando a dor e a revolta passam e a gente substitui as lágrimas pelas lembranças mais gostosas, mais marcantes ou engraçadas e percebe que existem coisas que não morrem nunca: só renascem dentro da gente de outra forma.
Não sou uma pessoa religiosa e acho que a falta de fé às vezes me atrapalha, pois quem tem fé nunca se sente só.
Se dependesse de mim naturalmente, meus filhos seguiriam essa linha, que herdei do meu pai, mesmo tendo uma mãe com uma força e uma fé enormes…
Mas para compensar esse meu defeito de fabricação, meus filhos estudam em colégio religioso. Com e pelos meus filhos aprendi a rezar com eles, mas de um jeito diferente, já que seria impossível para mim, de uma hora para outra, virar a pessoa religiosa que nunca fui.
Sempre acreditei na natureza e minha “reza” parece mais um tributo indígena, do que propriamente aquilo que se convencionou a ser uma oração. Respeito a energia do sol, da lua, da terra, das estrelas, da água e do ar.
Desde pequena, fugia das aulas de religião na escola. Uma pessoa conhecida sempre ficava indignada com a história que denominou de “minha degustação de hóstia”: quando a professora de religião da minha escola fez os alunos provarem a hóstia para saber como era. Desnecessário dizer que foi a única vez que fiz isso. Sempre achei que fritinha ela seria muito mais saborosa e interessante…
Meus filhos estão crescendo e começando a passar pela fase das perdas e das perguntas sobre a morte…
Meu filho, então com 05 anos teve comigo esse diálogo:
– Mamãe, o que acontece quando a gente morre? O corpo fica debaixo da terra?
– Sim, mas a alma sai e voa…
– Para onde ela vai?
– Vai conversar com Papai do céu…
– E o que ela vai conversar com ele?
– Cada alma tem a sua conversa com Papai do céu…
– Ah tá… regras de morrer são regras de morrer, não é, mamãe?
Já a minha filha, então com 04 anos, teve um dia uma crise de choro pelo cachorrinho do tio, que havia morrido dois meses atrás…
– Mamãe, eu acho que o Blommie está vivo no meu coração! Sempre que eu pensar nele, ele vem?
Essas perguntas me deixam apreensiva porque não sei lidar bem com a morte. Gostaria de passar para eles uma tranqüilidade que não tenho com relação a isso e é muito difícil…
– Mamãe, quando você morrer com quem eu e a Mana vamos ficar?
– Com seu pai, querido…
– E se o papai morrer?
– Com o vovô e a vovó (meus pais)…
– E se eles morrerem?
– Com seu outro avô e com a sua outra avó…
– E se eles morrerem?
– Com seu tio (meu irmão), sua tia e seu primo…
– E se eles morrerem?
– Com seu outro tio e sua tia…
– E se eles morrerem?
– Chega, não é, querido? Não vai morrer todo mundo assim…
xxxx
– Mana! Mana!! A mamãe disse que quando ela morrer, a gente vai morar com o vovô e a vovó!!! Oba!!!
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A sensação da descoberta do calor e da luz do sol é prá mim muito aconchegante, porque “perceber” é uma situação crescente e, sendo assim, é o início de uma sensação, que pode continuar boa ou se tornar insuportável. Acho perceber algo diferente de sentir. Perceber o calor é uma coisa gostosa, que chega de mansinho. Sentir calor acontece quando o perceber não teve nem tempo de acontecer; é uma sensação abrupta.

Sou muito clara e não pego sol porque fico manchada, coisa que acontece com a idade, mas sempre gostei de ficar ao sol, só ele e eu e mais ninguém.
O engraçado é que uma coisa que me acalma é dormir ou cochilar só com os pés ao sol. É um dos meus melhores sonos…
A luz do sol torna tudo o que sinto e vejo uma espécie de pintura, que vai de Rembrant (de manhã) a Van Gogh (o sol quente de meio-dia), indo para Renoir ou Monet (no cair da tarde).
Parece que a luz do sol é o pincel da minha vida…
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A taça… não era uma taça qualquer, era a taça: sinuosa, atraente, ora azul, ora vermelha…

Lapidada à mão, de finíssimo cristal, design italiano, antiga… muito antiga.
Ela era colorida, mas os arabescos e os pés eram de cristal transparente, de uma delicadeza única.
Feita maliciosamente por alguém que entedia de sentidos e mistérios, ela fora feita para a gente ver e desejar olhar sempre para ela, descobrindo um desenho diferente a cada momento novo de atenção; para se tocar e desejar passar os dedos por ela, em movimentos de dança árabe, até ouvir o som do cristal que canta pela beirada molhada de água; para cheirar e sentir o seu aroma de cristal molhado, até sentir o aroma da imaginação; para desejar a água leve e límpida que acompanha o movimento dos dedos bailarinos que escorregam e se desenvolvem pela taça, deixando a água ficar ora colorida como a taça, ora transparente como os arabescos da taça e ora furta-cor, reflexo da luz do sol que nada na água ou vinda da luz da noite de lua na janela, de uma vela, de um lustre de cristal; para terminar a coreografia dos dedos com o roçar dos lábios no cristal gelado e um beijo morno e sensorial entre o corpo, a taça e a água e sentir prazer com tudo isso…
Sempre tive uma atração incontrolável por cristais, louças, flores, pedras e… caquinhos de azulejo.
As jóias, que não eram muitas, deixaram de fazer parte da minha vida há muito tempo: num desses revezes financeiros, minha mãe se desfez de todas as jóias de família, sem que eu tivesse sequer tempo de me despedir delas. Chorei muito, mas me “consolei” sabendo que, graças à minha memória visual, eu as reconheceria onde quer que as encontrasse. Isso nunca aconteceu, mas me fez parar de chorar.
Não consigo fazer um retrato falado de alguém, assim como não me lembro das pessoas pela imagem delas como um todo, mas sim pela voz.
Mas tenho uma boa memória visual para pinturas, cenas de filmes, preços de supermercado, padronagens de fazendas e números, muito embora prá esses últimos eu use instintivamente, combinações de cores para memorizá-los. Assim 4 é verde, 5 vermelho, 3 amarelo, etc. Números de telefone são sempre associados a cores.
Qualquer menina “normal” quando vai brincar na pracinha leva boneca, mas eu sempre preferi levar um caminhãozinho, prá voltar com ele cheio de pedras e cacos de azulejo…
Voltando à taça, sempre disse que uma mesa bem posta me conquista pela beleza. A comida é até secundária. Isso é um absurdo, principalmente porque adoro comer, mas a taça de cristal ou um bonito prato de porcelana ou uma toalha de mesa bordada me conquistam de imediato. Basta ter só uma taça e isso me faz feliz.
Estou até pensando agora em usar esse artifício para emagrecer: vou colocar um treco desses em cima da mesa e ver se eu me esqueço de comer…
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Um tigre era pouco pra falar de um bicho tão grande e assustador… Era um tigrão.
De onde eu estava dava pra ter uma ideia do tamanho do bicho. Eu estava no escuro e havia alguma luminosidade difusa em cima dele, que não o clareava nem definia, mas que tornava os seus contornos cada vez mais assustadores.
De repente, ele se vira de costas e começa a andar em direção contrária até ficar mais longe. Logo, ele resolve voltar, lentamente e em passos pesados cada vez mais aterrorizantes… Vem chegando mais perto, mais perto, mais perto… Gritos. Eu grito… Muitos gritos… O tigre fica sob as duas patas traseiras e vai atacar quando, de repente, um zíper se abre e de dentro dele saem duas delicadas bailarinas. Aplausos aliviados. As luzes do circo se acendem e termina mais esse espetáculo…
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Um leão anda sorrateiro e misterioso numa noite de lua, trazendo consigo somente seus instintos, seu silêncio e a sua própria sombra…

Seus dias há muito não eram os mesmos e seu tempo estava terminando…
Tinha que tomar a decisão…
Sorumbático, andava à beira do rio, com uma angústia que lhe consumia o pouco que restava do seu antigo humor… Estava se tornando também irreconhecível por dentro…
Andava a esmo, sem se importar com a água quase gelada que lhe molhava pata sim, pata não.
Parou e olhou mais uma vez para o céu, movimento esse agora obsessivo, que a cada noite se tornava mais frustrante…
E o tempo passando…
Cansado de andar, deitou-se ainda à beira do rio e pôs-se a pensar, talvez pelas últimas vezes…
Agora estava ali ele, à beira do rio, prisioneiro de um corpo de leão…
Um leão com alma humana e com um coração prisioneiro de alguém… Ele estava duas vezes preso: preso ao corpo e com o coração e a alma presos.
Só a sua mente ainda era livre, e era ela quem lhe ministrava as pequenas doses de fantasias, que eram intercaladas por extensas crises existenciais.
Vale a pena voltar a ser humano? Vale a pensa passar a vida fugindo do que eu sinto? Vale a pena me prender a ser tão volúvel? Por que sofro?
E a angústia do tempo voltava…
Estava virando mais leão a cada dia. Aos poucos estava perdendo a alma e o coração humanos…
Se não agisse a tempo, nada mais poderia ser feito…
Estava se sentindo empedrecer.
Como leão, aprendera a matar porque tinha fome, justo ele que, como humano, vivia porque tinha fome… daquele alguém…
Como leão, aprendera a se esgueirar dos perigos, justo ele que, como humano, o que mais queria era se atirar aos perigos daquele alguém…
Como leão, aprendera a lutar contra os perigos, justo ele que, como humano, queria era viver perigosamente nos braços daquele alguém, em paz…
Oscilava esses pensamentos com os seus sentimentos humanos e voltou a se lembrar do momento em que se deu conta de que aquele amor o estava tornando um animal, e que desejou ser um para não sofrer prisioneiro de uma paixão não-correspondida por alguém volúvel como o vento.
Será que os leões sofrem por amor? E divagando intensamente em sua dor, desejou muito ser um leão…
Estava absorto em seus pensamentos e tristezas, mas desejou isso tão intensamente e tão virado para a sua própria dor, que não percebeu a estrela no céu que se mexia…
Agora, só lhe restava um tempo, que seu instinto humano ainda sentia…
Esse instinto que pressentia a vinda de outra estrela cadente… a última, antes dele virar um leão por completo e para sempre, e sua única chance de voltar à forma humana…
Mas eu quero isso? Quero sofrer tudo de novo?
E a lembrança daquele sorriso, daquelas gargalhadas, dos dias intensos ao lado daquela pessoa e daquelas noites intensas ao lado, por cima, por baixo, por dentro daquela pessoa, tudo ainda eram lembranças presentes e doídas daquela alegria que se esvaecia a cada sensação de ser trocado por outra pessoa, daquela felicidade que estremecia a cada crise de ciúmes merecido…
E o tempo…
De repente, ao olhar para cima pela enésima vez, ele avista ao longe a estrela que se mexe.
Sem resposta, sem tempo e só instinto, ele se levanta subitamente e começa a correr desesperadamente em direção à estrela.
Corre, corre cada vez mais e mais, até que pula na ponta da estrela fugitiva…
Não se sabe se virou humano ou se continuou leão ou mesmo se virou alguma outra coisa… Nunca mais foi visto. Dizem que faz parte de uma constelação. Leão? Gêmeos? Virgem? Libra?
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