Muitas cidades oferecem cursos de Música gratuitos, alguns vinculados ao governo, outros a ONGs, etc.
Acho a iniciativa muito válida, pois são oferecidas aulas de música e/ou instrumentos para pessoas que não podem pagar pelos estudos musicais. Muitas das vezes, além das aulas, são emprestados instrumentos para que os alunos possam estudar na própria escola e/ou em casa, e acelerar seu desenvolvimento.
O que não concordo é com o descaso de algumas dessas entidades, que oferecem cursos de contrabaixo com professores não-contrabaixistas, ou que oferecem prática orquestral e o contrabaixo para os contrabaixistas, sem oferecer também aulas de contrabaixo para que o aluno se desenvolva a contento.
Os projetos sociais que envolvem música têm patrocinadores.
Patrocínios estão associados à prestação de contas, troca de favores e mostra de serviço.
Quando o vínculo é com o governo, por exemplo, tocar em cerimônias e eventos políticos são plausíveis de acontecer, assim como as apresentações para membros do governo também são.
Patrocínios culturais envolvem retorno e visibilidade.
Para representar melhor projetos musicais vinculados ao ensino instrumental, nada mais adequado que uma orquestra, ainda mais se a orquestra em questão for formada por crianças e jovens, pois tudo que envolve o talento infantil ou juvenil tem um apelo social muito intenso e sugestivo.
Se os jovens forem carentes, o apelo social é mais representativo ainda.
Logicamente que, afastar crianças e jovens carentes do resultado maléfico das drogas e/ou oferecer uma oportunidade de estudo e melhoria cultural e/ou uma proposta de investimento no potencial desses artistas, objetivando o ingresso deles no mercado de trabalho – ao mesmo tempo em que afasta o fantasma do desemprego e da violência-, são propostas maravilhosas.
Muitos cursos de Música gratuitos têm trabalhos ótimos, mas acho um absurdo que muitos deles releguem o ensino do contrabaixo a terceiro plano, seja por priorizar quase que exclusivamente os instrumentos mais melodiosos e/ou com mais chances de aparecer na mídia e/ou de agradar mais os patrocinadores; seja porque a procura pelo contrabaixo é menor que para os outros instrumentos; seja para justificar as verbas investidas no projeto com muitos instrumentos de valor mais acessível, ao invés de poucos com valor mais alto, já que na hora de “mostrar serviço”, uma escola de música ou uma orquestra com 20 violinistas e um contrabaixo costuma ter muito mais visibilidade do que uma escola com poucos violinistas e 4 contrabaixistas, por exemplo.
A preferência dos estudantes por instrumentos mais agudos (violino, cavaquinho, flauta, trompete) pode bem ser um fator cultural – violinos estão presentes em nossa cultura através dos mouros, portugueses e espanhóis; o trompete sempre esteve presente em bandas; e a flauta e o cavaquinho sempre acompanharam o desenvolvimento da música popular.
Mas a preferência por instrumentos mais agudos também pode ser um fator econômico – instrumentos menores, além de mais agudos, costumam ser menos caros-, mas nada disso justifica as escolas não oferecerem o mesmo tipo de oportunidade às pessoas que querem estudar contrabaixo.
Muito embora o contrabaixo seja um instrumento em franco desenvolvimento, e que o nível dos contrabaixistas esteja cada vez melhor, não podemos negar as conseqüências de séculos de defasagem técnica do contrabaixo em relação a outros instrumentos. Enquanto no século XVI a técnica do violino já estava desenvolvida, a do contrabaixo ainda engatinhava, entre afinações indefinidas, tamanhos diversos do instrumento, número de cordas variados, e a uma possível dificuldade de deslocamento com o instrumento e uma conseqüente dificuldade de troca de experiências entre os contrabaixistas de localidades distantes.
Mesmo com todos os esforços contrabaixísticos para que o instrumento apareça mais – e bem -, tanto nas orquestras, quanto como instrumento solista, ainda há uma relutância cultural entre as pessoas em reconhecer esses esforços. Essa relutância é natural e decrescente frente às modificações históricas e técnicas do instrumento, mas ainda é também pouco digerida por nós, contrabaixistas.
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Sei que existem cursos de música em locais onde não há sequer um contrabaixista em muitos hectares. Penso que esse é um dos poucos casos “aceitáveis” de professores genéricos de contrabaixo, já que a contratação de um professor de contrabaixo exclusivo para pouquíssimos alunos envolveria um deslocamento grande e muitos gastos, na maioria das vezes, impossíveis de serem viabilizados com os escassos recursos de projetos modestos.
O que me aborrece são os cursos de música que, mesmo situados em grandes metrópoles ou bem próximos a elas, ainda insistem na velha fórmula de contratar professores de outros instrumentos para ministrar aulas de contrabaixo, sem ao menos tentar contratar um contrabaixista, professor de contrabaixo.
Existem muitos professores genéricos de contrabaixo, que podem ser excelentes violinistas, violistas, violoncelistas, trombonistas e tubistas mas que, como contrabaixistas, continuam sendo excelentes violinistas, violistas, violoncelistas, trombonistas e tubistas e só…
Outra coisa que me veio à mente é pensar no que faz um professor que não é de contrabaixo aceitar dar aulas de um instrumento que pensa haver alguma semelhança com o seu.
Em locais sem um contrabaixista a raios de distância, talvez isso possa até ser encarado como uma caridade e uma quase resistência cultural, já que o contrabaixo será apresentado a pessoas que sequer teriam a chance de conhecê-lo, se não fosse o projeto de música com seu professor genérico de contrabaixo.
Agora, não contratarem professor de contrabaixo em locais com dezenas de contrabaixistas pelas cercanias – muitos deles esperando por uma chance no mercado de trabalho -, para contratar um professor de contrabaixo genérico, além desconhecimento dos organizadores do projeto, isso também demonstra, no mínimo, o total desrespeito do professor genérico para com o colega contrabaixista de formação, que mereceria estar em seu próprio lugar.
Nas metrópoles, quando o projeto musical fica sem professor de contrabaixo repentinamente, “deslocar” um professor de outro instrumento para dar algumas poucas aulas até a chegada de outro professor de contrabaixo é um “quebra-galho” viável, desde que haja uma real movimentação da organização do projeto em arranjar logo o profissional, antes que todos se acomodem com a situação.
Mas, na impossibilidade de arranjar o professor de contrabaixo, penso que o curso deve ser interrompido.
Sem professor de contrabaixo, muitos jovens contrabaixistas estão com má-postura ao contrabaixo, muitos vícios no instrumento e… muitas dores pelo corpo.
Sei que quando se é jovem, muita coisa é passada por cima, no melhor modelito do “deixa assim”.
Só que a sua juventude, um dia será velhice e se você não se cuidar, a sua velhice ou mezzo-velhice será cheia de problemas de saúde.
Problemas de saúde (tendinites, bursites, dores de coluna, etc), advindos de uma má orientação ou de um estudo mal-direcionado (e/ou de irresponsabilidades de um modo geral), podem aparecer em qualquer instrumentista mas, ao estudar com um leigo no contrabaixo, as chances desses problemas aparecerem – e precocemente -, aumentam consideravelmente.
Penso que um mínimo de conforto e de responsabilidade são essenciais para todos os instrumentistas: instrumento regulado, macio e pequeno, cordas novas e macias, arco com crina razoável, uma boa resina, estante de música, banco confortável e uma boa iluminação no local de estudo e/ou trabalho. E um professor do próprio instrumento com experiência nisso e/ou com um currículo digno do cargo.
Contrabaixos chineses estão, na maioria das vezes, longe de ter uma qualidade fantástica, mas muitos são até bons para estudo, vêm com arco e capa e têm um valor bem acessível para projetos sociais.
Cordas tradicionais podem até ser caras, mas o custo-benefício compensa: melhor qualidade sonora e maior durabilidade. Embora não sendo o recomendável, essas cordas podem durar muitos anos. As cordas que vêm nos instrumentos chineses costumam ser de péssima qualidade: podem arrebentar, além de não segurarem a afinação corretamente.
O mesmo acontece com a resina (breu): gasta-se um pouco mais com uma tradicional, mas a durabilidade é de muitos anos.
O banco, a estante e a iluminação são baratos.
Atualmente, podemos calcular um gasto médio de R$ 3.500,00 (aproximadamente seis salários mínimos) para a compra de todo o material necessário para iniciar um curso de contrabaixo, incluindo a regulagem do cavalete.
Se o contrabaixo e o arco forem bem cuidados (sem tombos, batidas, banhos de sol, etc), assim como o restante do material, não há necessidade de manutenções freqüentes e nem de reposições. A troca das cordas e a troca da crina do arco podem ser feitas até de três em três anos (ou mais, embora o recomendável seja em menos tempo).
Voltando ao assunto inicial, não vou entrar nos méritos dos projetos sociais de Música, porque muitos têm trabalhos ótimos, mas acho um absurdo que alguns menosprezem o ensino do contrabaixo e o releguem a terceiro plano, seja porque o que importa são os outros instrumentos, seja porque o contrabaixo só precisa fazer pum-pum-pum e, para fazer pum-pum-pum, não precisa gastar dinheiro com um professor de contrabaixo.
Com isso, os professores de outros instrumentos – que não podem fazer pum-pum-pum no seu próprio instrumento -, acabam dando aulas de contrabaixo, e fazendo muito pum-pum-pum com a saúde e a técnica dos alunos contrabaixistas.
Procure sempre se informar sobre os profissionais que darão aulas no curso de contrabaixo que você tanto quer fazer. Se não tiver um professor de contrabaixo original, desconfie do curso!
Se você resolver embarcar nessa mesmo assim, embarque consciente de que você estará sendo cúmplice de um crime executado por uma quadrilha formada pelos irresponsáveis pela organização e realização do projeto musical, junto do irresponsável do tal professor genérico, que atuará como falso contrabaixista.
Não é porque você é pobre, ou porque não tem dinheiro suficiente para pagar um curso de música, que você é obrigado a aceitar esmolas musicais.
O barato pode sair bem caro, e a próxima vítima das dores contrabaixísticas pode ser você…
Portanto, sempre que possível, evite remédios contrabaixísticos falsificados…
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