“A Surrealíssima Maria Gorda” |
Quando resolvemos estudar contrabaixo e começamos a estudá-lo, muitas das vezes estamos vencendo uma batalha e começando outra.
Vencer os nossos próprios preconceitos de estudar um instrumento tão trambolhudo sem sabermos como será o futuro, ou mesmo de assumir a música como parte essencial da nossa vida, a despeito do que os nossos pais, cônjuges, filhos ou parentes acharão disso, ou mesmo passando por cima do que eles querem para nós, são algumas das lutas, entre muitas outras lutas, que talvez tenhamos tido para conseguir chegar perto de um contrabaixo e assumi-lo para nós mesmos e para o mundo.
Mas a maior batalha é a que ainda está por vir: continuar no contrabaixo, com todos os problemas que virão depois da nossa escolha.
Os problemas recorrentes são que nem vírus: voltam sempre piores e mais fortes…
Manter-se no contrabaixo é suportar a falta da grana que ainda não veio, mas que talvez – um dia – quem sabe venha.
É suportar as cobranças dos parentes, porque você só quer saber de música e não de trabalhar.
É suportar a insegurança de não saber se haverá mercado de trabalho que sustente as suas contas.
É ter medo da concorrência, principalmente quando se quer muito ser e estar contrabaixista, mas o tempo para estudar é dividido com um emprego, trabalho, família e/ou outros estudos.
É perceber a frustração nos olhos dos nossos pais ao verem nossos colegas e os filhos dos colegas deles escolherem profissões mais “promissoras”, ou sentir na alma a frustração dos nossos filhos pelos brinquedos que não poderemos dar ou pelas viagens que não poderemos fazer.
É não dormirmos direito com medo da nossa própria idade, ou termos insônia pelo complô de contas que podem nos sequestrar na calada da noite.
É não abrirmos o armário com medo do bicho-papão da falta de talento ou da falta de jeito para o contrabaixo, ou mesmo da hora de encerrar a carreira.
É convivermos com o pavor de estarmos errados e termos feito a escolha errada.
Muitas dessas angústias nem chegaremos a ter e outras nos acompanharão por toda a vida contrabaixística e por vidas não-contrabaixísticas também.
Portanto, você, eu, nós, nunca estaremos sozinhos nessas horas.
Posso dizer, pela minha vida contrabaixística, que consegui viver somente de contrabaixo até hoje, e lá se vão décadas.
Já foi mais fácil, mas ultimamente tem sido bem difícil.
Mas não posso me arrepender de não ter escolhido ser contrabaixista, ou seja, não posso me arrepender por não ter seguido o que quis.
Vejo muitos contrabaixistas preocupados com a sua própria idade e com medo de assumirem suas escolhas.
Tive um aluno com 66 anos de idade, e ele estava muito feliz por realizar um sonho: o sonho de estudar contrabaixo.
Hoje em dia, o estudo do contrabaixo para crianças e adolescentes está em franca expansão. Com isso, há cada vez mais contrabaixistas jovens e bons no mercado de trabalho.
Penso que o sonho de estudar contrabaixo ou de tocar contrabaixo é um sonho sem limites de idade.
Agora, tocar em uma orquestra profissional, por exemplo, ou de realizar aspirações mais avançadas como ser solista de orquestra ou ser professor de contrabaixo em uma universidade, dependerão muito do seu potencial no instrumento, do seu talento multifacetado para administrar a vida, e também do seu tempo de dedicação quase exclusiva ao contrabaixo, especialmente se você começar a estudá-lo a partir dos 22 anos, sem ter estudado nenhum outro instrumento antes.
Instrumento nessas horas é como um idioma: se você sabe mais de um instrumento ou mais de um idioma estrangeiro, você terá mais facilidade para os próximos e, no caso do contrabaixo, muito provavelmente também “queimará” algumas etapas do estudo do instrumento mais rápido que as pessoas que nunca tocaram um instrumento na vida.
Infelizmente, quando pensamos na dupla idade x profissão, temos que pensar no tempo de investimento no contrabaixo que faremos antes de começar a trabalhar com ele. Passar para uma orquestra profissional, e mesmo assim, mediante concurso, pode levar no mínimo cinco anos e em média oito anos, por exemplo.
Há opções que não exigem tanto tempo, como fazer concurso para tocar contrabaixo em bandas sinfônicas militares. O problema é que há exigência de idade para ingressar nos quadros militares, sem contar que a concorrência para esse tipo de serviço aumentou assustadoramente nos últimos anos.
Mas para tocar em casamentos e/ou shows com bandas, esse tempo é bem mais flexível: dois anos de estudo de contrabaixo bem estudados já são suficientes para você dar os primeiros passos, desde que não se acomode, porque aí a concorrência leva o seu lugar.
Não estou escrevendo que é para quem quer começar a estudar contrabaixo com 22 anos – ou mais -, desistir. Só você sabe é quem sabe se suportará esperar até os 27 ou 30 anos para concorrer à vaga na orquestra dos seus sonhos. É bom lembrar que o quadro de contrabaixistas pode estar completo por essa época. Isso sem contar que tem gente que não aguenta esperar nem dois anos, porque acha que tocar contrabaixo é só resolver hoje e dar recitais em dois meses.
Por isso, sou favorável a uma análise fria dos fatos. Se você chegar à conclusão de que é isso mesmo que você quer da sua vida, vá em frente!
Mas se as suas conclusões não forem tão precisas, e se o seu sonho contrabaixístico não se incomodar de ser adaptado, você poderá ter outro emprego ou outra profissão e fazer do contrabaixo um hobby e tocar numa orquestra amadora, por exemplo. Ou mesmo dar aulas em uma escola de música, ou dar aulas particulares, tocar em uma banda de shows ou em cerimônias de casamento, etc.
Com dedicação, você até poderá tocar contrabaixo em uma orquestra profissional que não esteja nos grandes centros urbanos.
Agora, para tudo isso você terá que ser tão ou mais forte do que quando resolveu peitar a vida e ser contrabaixista. Porque o contrabaixo e a Música não são para pessoas que vivem em dúvidas: são para pessoas que não se deixam sucumbir por elas, já que dúvidas todos nós temos, não é mesmo? O importante é o diferencial.
Árvore Maria Gorda (Imbondeiro) – África |
Mas com 20 anos, eu ainda posso ser contrabaixista?
Na flor dessa idade, tudo ainda é possível, desde que se tenha objetivos, determinação, disposição para estudar, e autoestima suficiente para não esmorecer com a concorrência mais jovem e com a incerteza do futuro contrabaixístico.
E com 30 anos?
Na folha dessa idade, os sonhos profissionais com o contrabaixo são para serem vividos, mas com adaptações. Isso é possível, desde que você tenha consciência que a sua vida tomou muitos rumos e que o seu rumo com o contrabaixo é um caminho complementar. E ele será igualmente bonito, porque aprenderá a se dividir com os seus outros objetivos de vida.
E com 40 anos?
No caule dessa idade, muitos sonhos já se realizaram e o contrabaixo é agora mais um. Um sonho maduro, sensato e não um arroubo de juventude. Pode até ser a realização de um amor platônico pelo contrabaixo. Por que não? Esse é aquele amor que só quer ser sonhado e admirado, de pertinho, mas sem as cobranças dos grandes amores. Você, um banquinho e um contrabaixo em casa e a sua experiência de vida emoldurando o seu sonho contrabaixístico a se realizar tranquilamente.
E aos 50 ou 60 anos?
Nessa raiz da idade, estudar o contrabaixo é a realização da nostalgia de ser contrabaixista. É estar feliz por toda uma vida longe do contrabaixo, porque não há motivos para revoltas. É uma busca da fonte contrabaixística da juventude, daquela alegria serena que nos torna mais jovens, independente da idade real. É a alegria da alma!…
Portanto, penso que não há limite de idade para começar a estudar contrabaixo; os sonhos e objetivos com ele é que mudam ou precisam mudar…
Pois, como bem disse o famoso químico francês Antoine Lavoisier, “na natureza nada se perde, nada se cria, tudo se transforma…”
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🙂 me identifiquei muito com o texto… tenho 18 anos e toco violão. Estou estudando
pra prestar o vestibular de música em minha cidade, mas há pouco tempo me apaixonei
pelos sons graves, e uma dúvida cruel estava na minha cabeça: ainda há tempo pra
que eu possa ser contrabaixista? Amo violão, mas o som do contrabaixo penetra minha
alma. Nessa semana estava estudando pela madrugada e parei tudo e fiquei no youtube
vendo diversos videos sobre o contra (ficava me imaginando tocando como o Catalin Rotaru), e esse meu interesse (que tomou boa parte do meu tempo) me levou a seu blog e a um workshop seu, na qual vc descreve a historia do contrabaixo. Isso só aumentou mais a chama contrabaixistica dentro de mim. Sinto até apaixonado por ele haha
.. mas infelizmente a falta de recursos, me impede de ter aulas e de ter um contrabaixo.
Minha esperança é que na facu, eu consiga ter contato com o instrumento 😀
Valeu pelo texto, me confortou, pois achava que não daria pra eu ser contrabaixista por conta da idade, e agora vi que ainda estou na flor da idade. Uma vez perguntaram p/ meu avô o que ele aprendeu com todos esses anos de vida, lembro bem da resposta ”tudo que vc quiser ser na vida vc pode” 🙂
Daniel, é essa paixão que você está sentindo pelo contrabaixo que fará você realizar as palavras do seu avô, e ser o contrabaixista que você tanto quer ser…
Agora, é importante lutar por ele. Depois, estudar e se dedicar. O amor pelo contrabaixo chegará com o tempo e fará você continuar no contrabaixo, e passar a frase do seu avô para seus filhos e netos… Obrigada pelo bonito comentário! Assim que você se assumir contrabaixista, escreva contando como está sendo isso, ok? Boa sorte e abraços contrabaixísticos da Voila
pode deixar q aviso, alias devo muitos agradecimentos pois foi esse texto maravilhoso que me fez decidir trocar a clave de sol pela de fá, os fantasmas da falta de dinheiro, incerteza do futuro, do passar tempo ainda me assombram, mas apesar disso tudo tenho algo mais forte q os três juntos um sonho! foi isso q me fez trocar arquitetura/ filosofia faculdades q planejava fazer por música, ( lembro-me bem dessa noite, fiz teste vocacional na interne deu artes, fiz de novo, artes de novo, baixei uma apostila de teoria musical, me apaixonei <3, aprendi a ler sozinho u.u ) agora o mesmo ocorreu, é complicado pq consegui aulas de qualidade em um projeto cultural e comecei a evoluir bastante, por isso abandonar o violão é um erro(pelo – agora, q é não é possivel estudar diarimente os contra) pois apesar de não ser o msmo instrumento são a mesma linguagem(música), mas sei q como a primeira decisão q fiz, não vou me arrepender… ''A unica forma de vc ser o melhor no que faz, é fazer o q ama'' Steve Jobs (palestra em Stanford University)
Desculpe a demora em responder, Daniel, mas tive probleminhas técnicos por aqui…
Espero que seus sonhos estejam flutuantes e fluentes, como os sonhos devem ser, que a Música esteja intensa em sua vida e que seus projetos estejam firmes e fortes!…
Torço muito para que tudo dê certo na sua vida com o contrabaixo!
Se precisar de alguma ajuda, estou sempre por aqui, ok?
Boa sorte e abraços contrabaixísticos procê!
Boas palavras Voila! Acredito que o mais dificil é não ter apoio da família. Todos acham que ser musicista não vale o esforço e que no final a vontade de estudar “passa”.
Tive sorte de achar pessoas que me dão apoio e que no fim do dia ainda me dão parabéns por ficar 7 horas sentada no banquinho …
Pq se não fosse isso talvez eu nunca teria lutado tanto pra entrar em uma orquestra.
Pois é, Camila, eu também acho que o apoio da família e das pessoas próximas facilita um pouco mais as coisas.
Logicamente, ninguém vai tocar pela gente, mas só precisar lutar pelo contrabaixo, sem ter que ficar provando prá todo mundo que contrabaixo é o que a gente quer, é tão bom!
Sobra até mais tempo para curtir o contrabaixo!
Abs cbxtkos
Olá Voila,
primeiramente gostaria de dizer que te acho sensacional!
Não teno aspiração nenhuma de ser músico profissional, mas a música sempre esteve muito presente na minha vida… mas por escolhas profissionais nunca pude concretizar o sonho de tocar um instrumento. Trabalho na área de pesquisa e terminei meu doutorado recentemente. Minha rotina de trabalho não me permitia fazer mais nada, a não ser trabalhar… Mas no final do meu doutorado a necessidade de viver outras emoções se apossou de mim e decidi começar a viver um sonho que a muito tempo estava adormecido, mas nunca esquecido. Após tomar 6 aulas de contrabaixo, decidi mudar o foco da minha pesquisa acadêmica para um trabalho que me desse mais tempo. Hoje estou morando na Áustria fazendo um pós-doc e a 3 dias estou com o meu contrabaixo, e muito feliz, apesar de ainda não estar conseguindo tirar um som decente! mas só o fato de tentar e acertar uma nota ou duas já me deixa estasiado. Já tenho 35 anos, e pretendo continuar no contrabaixo por muito tempo. Continuo trabalhando na minha área, mas hoje encaro meu trabalho como um meio para me possibilitar ter noites e finais de semana agradáveis na companhia do meu contrabaixo! mas meu desejo de curto prazo agora é conseguir tocar sem morrer de dor nos dedos… rsrsrsr. mas é a dor mais sensacional que já senti!
obrigado pelo texto encorajador!
bj!
Vagner,
Fiquei “engasgada” com o seu depoimento…
É sempre emocionante re-sentir e relembrar a emoção de começar o estudo do contrabaixo, e o seu texto me passou isso…
A gente respira contrabaixo mas, às vezes, precisa parar para sentir o perfume do contrabaixo…
E, hoje, a fragrância de nostalgia se espalhou. Obrigadíssima!
Fico feliz que tenha compartilhado conosco esse seu momento de vida tão especial, e torço para que ele seja terno e eterno!…
Curiosidade: você conhece o talentosíssimo contrabaixista brasileiro Gustavo D’Ippolito, que mora aí na Áustria (Viena)?
Beijocas contrabaixísticas procê