Texto postado na Revista FCBR.
Primeiro, veio o choque:
– O que é isso, minha filha?
– Um contrabaixo, mãe! Gostou?
Depois, vieram as tentativas de me fazer desistir:
– Minha filha, para de fazer pum-pum-pum com esse troço o dia inteiro!… Daqui a pouco, você ficará conhecida na vizinhança por Duda Pum-Pum-Pum!…
– Cada um com o seu pum-pum-pum, mãe! Não tem gente que prefere ficar no seu quadrado?
Daí, passei dos pizzicatos (pizzicati) para o arco, mas pouca coisa mudou…
As lamúrias familiares, as vassouradas vizinhas no teto, os cds que de repente começavam a tocar na hora do meu estudo, enfim todos continuaram a atazanar a minha vida contrabaixística…
Para mim, ainda é um mistério esse talento do contrabaixo em anabolizar as línguas ferinas e extraviar os elogios à nossa performance…
Dias após dia, os elogios eram extraviados, e só chegavam mesmo as contas para pagar…
– Tô até com saudade daquele pum-pum-pum nosso de cada dia… Agora, é esse ronc-ronc tedioso o dia inteiro! Vão acabar te chamando de Duda Ronc-Ronc!…
– Ah, mãe, é ronco musical! Eu sei que você vai nos amar, por toda a nossa vida, um dia!…
– Se você pensa que vai fazer comigo, o que faz com todos que te amam, acho bom saber que…
– Ah, mãe, mas eu tô mudando… Você não acha?
– Claro! Agora é pum-pum-pum e ronc-ronc o dia todo! Quando é que isso aí vai virar música, hein?
Parece que praga de mãe se espalha rápido…
Um dia, entrei no elevador com meu contrabaixo, e dei de cara com a Dona Marieta, a fofoqueira-mór do edifício:
– Então você é a famosa tocadora de pum-pum-pum aqui do prédio!
O Hulk podia virar uma alface verde raivosa quando se irritava, mas eu tenho certeza de que naquele momento virei mesmo foi um tomate de pelúcia falante e malcriado…
– Não tão famosa quanto a senhora, e nem tocadora e nem cheiradora de pum-pum-puns: Duda!
… E isso, enquanto me esforçava ao máximo para não rimar o nome dela com o que eu gostaria de mandá-la fazer…
Noutro dia, foi a vez da Dona Maricotinha, outra vizinha que fazia parte da rede de intrigas, fofocas e espionagem da Dona Marieta:
– Huuum… Então isso aí nessa capa preta é o misterioso presunto que ronca aqui das redondezas?
– Não é ele que ronca, sou eu! E, com todo respeito que a senhora não teve, eu ainda babo, mordo e grito! A senhora quer ver?
– Pra que, minha filha? Isso não é nada perto do que você toca…
E assim foi com o Seu Anastácio, com a Dona Cremilda, com o Seu Zequinha Bisbilhotô, com a Dona Pafúncia…
Em pouquíssimo tempo, passei a ser conhecida como a Duda dos pum-pum-puns e ronc-roncs!
Descobri também que não havia nada mais que pudesse ser feito, e que não adiantava ficar contra tudo e todos, ainda mais quando se toca um instrumento que tem um contra embutido no nome: nessas horas, precisamos de aliados e não de inimigos.
Até que um dia, mais um vizinho me abordou no corredor:
– Você é a…
– Isso mesmo: Duda Pum-Pum-Pum Ronc-Ronc, por enquanto! Prazer em conhecê-lo e prazer em ser conhecida!…
E assim, começou a saga contrabaixística de Duda Pum-Pum-Pum Ronc-Ronc…
Segredos Contrabaixísticos de Duda Pum-Pum-Pum Ronc-Ronc by Voila Marques is licensed under a Creative Commons Atribuição-Uso Não-Comercial-Não a obras derivadas License.
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