Texto postado na Revista FCBR.
Hoje é meu dia, dia de Duda Pum-Pum-Pum Ronc-Ronc em concerto da orquestra jovem.
Teatro Municipal, orquestra com piano solo, 2º movimento.
Música suave e lenta e silêncio absoluto na plateia.
Uma emoção muda salta aos meus olhos, entre uma nota e outra e, no meio daquela partitura, falta-me fôlego para descrevê-la.
Parte das notas aparece e desaparece. Enxergo umas notas, perco outras, adivinho mais outras, e a concentração indo embora a cada nota tocada ou não tocada…
Enxergo mal. Apreensão. Mal-estar.
Olho para o contrabaixista ao meu lado, que sequer tira os olhos da partitura.
Que fazer? Sair do palco? E se eu desmaiar agora?
Se a música ficasse barulhenta e ensurdecedora, eu poderia dizer alguma coisa, balbuciar, sei lá…
Mas os contornos suaves da música e a sisudez dos princípios orquestrais estavam todos ali, a me impedir de levantar o traseiro do banco de contrabaixo.
A mesma maldita sisudez orquestral que não nos deixa sair do palco nem com crise de tosse.
A tosse que aprenda a se pronunciar nos “tuttis” orquestrais e a usar a sordina no restante da música.
Orquestra não é lugar de tosse mal-educada!
E o mal-estar aumentando… Cada vez mais as notas somem e aparecem.
As linhas da partitura, antes retas, ficam desconexas: uma linha para lá e outra para cá. As linhas se mexem. Jogo da velha? Alfabeto japonês?
Agora, a estante preta de música começa a ficar marrom.
Linhas que se mexem, mancha marrom que escorrega. Taquicardia.
O arco fica impreciso e a mão esquerda… Que mão esquerda? Pianista? Onde?
Olho para a esquerda e vejo o rabisco japonês na estante ao lado.
Começo a ter vertigens musicais e a achar que parte do naipe se perdeu na contagem dos compassos. Será?
E os jogos da velha e os palitos japoneses a oscilar entre uma estante e outra de contrabaixos. Delírio?
E a música que não acaba…
De repente, um tutti da orquestra em fortíssimo súbito, acompanhado do barulho de um sapato masculino: plac – splash!
A música que nos desculpe, mas a sapatada foi fundamental.
E a cascuda encerra ali sua vida de baratarina.
Recomeço a ler sem antenas a me atrapalhar.
O concerto continua como se nada tivesse acontecido, e sem marcha fúnebre…
O concerto deve sempre continuar…
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