Meu querido contrabaixista e ex-aluno,
Fiquei triste com a notícia da sua crise contrabaixística, e espero que ela seja breve…
Infelizmente, quando as nossas expectativas e exigências internas com o contrabaixo são bem maiores que a capacidade de enxergar pequenos e gradativos resultados, é difícil acompanhar resultados satisfatórios e isso vai, pouco a pouco, frustrando todos os planos, sonhos e objetivos que temos com ele…
A insatisfação e a busca pela perfeição – mesmo que inatingível – são o motivo que nos faz estudar e, assim como a diferença entre o remédio e o veneno, o que torna a insatisfação e a busca pela perfeição produtivas é a dosagem.
Logicamente, não existe uma dose ideal, mas a proporção delas tem que ser sempre igual ou menor que a nossa autoestima, e menor ou igual à confiança de que conseguiremos gostar do que fazemos, mesmo que isso seja somente uma passagem para outros resultados.
Muitos contrabaixistas desistem do contrabaixo antes mesmo de se dedicar o suficiente para o alcançar o resultado que esperavam, o que não é o seu caso.
Você estudou muito, mas se esqueceu de ficar feliz com os pequenos resultados conquistados…
Você se deixou sufocar pelas suas próprias cobranças.
As cobranças fazem parte da vida adulta e são inerentes a todas as profissões; elas não são exclusividade para músicos.
Como já escrevi, na dose da cobrança está a diferença entre o veneno e o remédio.
Quando a cobrança é remédio, estudar muito e dar o melhor de nós mesmos para o contrabaixo são esforços que nos fazem sorrir.
Quando a cobrança é veneno, estudar e dar o melhor de nós mesmos para o contrabaixo são esforços incompletos. Dores e tensões pelo corpo, falta de energia e uma insatisfação constante fazem parte do processo.
Quem mandou tomar veneno, não é mesmo?
Ao tomar o veneno das cobranças exageradas, os resultados esperados são: implicar com o próprio som, depois com o arco, depois com você, até que você passa a implicar com o contrabaixo, com o professor, até chegar à Música.
Com isso, você se esquece de você mesmo, de se valorizar e de constatar que todas as suas conquistas e méritos tiveram a parceria do contrabaixo, que todas as mudanças na sua vida foram pelo contrabaixo…
Penso que, nessas horas – como em muitas outras -, uma conversa franca com o seu professor e/ou um bom bate-papo com colegas músicos mais experientes podem te dar um direcionamento útil e força para seguir em frente com o contrabaixo.
Professor de instrumento bom é também aquele que desiste de você somente bem depois de você ter desistido de si mesmo com o instrumento, sabe?
Música precisa de tempo e de direcionamento, e não é desmerecimento nenhum se achar incapaz de continuar e querer desistir.
Obviamente, todo mundo passa por crises na vida e elas fazem parte do amadurecimento de cada um.
O importante nessas horas é pensar no problema como uma crise a ser resolvida – como muitas outras crises que você já deve ter tido na vida ou mesmo como a primeira de muitas outras que ainda virão -, e deixá-la produtiva.
Que a crise seja produtiva enquanto dure!
Que tal assistir aulas de outros instrumentos? Que tal assistir mais vídeos de contrabaixistas e de outros instrumentos?
Certamente, você perceberá coisas que as suas extensas horas de estudo nunca deixaram perceber…
Há descobertas que fazemos com o contrabaixo e outras que importamos para ele mas, para isso, é preciso sentir a vida de outra maneira, e as crises são um ótimo momento para abrir esses horizontes, desde que não as aproveitemos somente para contemplar o próprio umbigo e só chegarmos à conclusão de que o melhor seria não tê-lo…
As crises podem ser sinal de mudança, não necessariamente de desistência…
Talvez não seja hora de você desistir do contrabaixo, mas sim de repensar a vida e mudar a dosagem das cobranças que você tem com você, em relação a ele.
Lutar é mudar o que não funciona, para ver se passa a funcionar.
Não sei se você lutou contra os problemas que hoje estão fazendo você querer desistir de tocar.
E nessas horas, lutar não é estudar a semana inteira exaustivamente, para se aborrecer com contrabaixo, só porque você não consegue enxergar melhorias em você. Isso não adianta nada.
Há muitos anos, ao assistir um recital do grande contrabaixista inglês Thomas Martin, fiquei apaixonada pela mão direita dele. Ao elogiá-la, ele me disse que um dia, ao implicar com ela, resolveu recomeçar e mudar tudo.
Ele não desistiu do modelo de arco que tocava e nem desistiu de ser contrabaixista por causa da mão direita dele. Ele lutou, mudando o que não estava funcionando para ele.
Por que não aproveitar para repensar as suas cobranças e recomeçar pela origem dos problemas como, por exemplo, relaxar mais ao tocar?
Dê a você e ao contrabaixo a oportunidade de respirarem juntos novos ares, para depois reavaliar se essas mudanças estarão valendo mesmo a pena…
Pare de tomar veneno e reaja, antes que seja tarde demais!
Beijocas contrabaixísticas da Voila
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Nossa, Voila!
Parece que esse texto foi feito pra mim!!
E o engraçado é que, ontem, depois de muito tempo, eu estava tocando no contrabaixo acústico… Chego hoje de manhã e me deparo com esta carta…
Mesmo não fazendo mais aula com você, você continua me ensinando.
Obrigado!!
Que coincidência, Álvaro!
Fico feliz que você tenha matado a saudade do contrabaixo, e espero que continue a fazer isso sempre que possível!
Eu também aprendo muito com vocês!…
Obrigada pela mensagem e abraços contrabaixísticos procê!
A carapuça serviu pra mim também pois vivo em crise e muitas vezes tenho o meu contrabaixo como um inimigo, pode?
A frase “mudando o que não estava funcionando para ele” diz tudo.
Basta pra mim, identificar o que precisa ser mudado para que eu possa fazer o contrabaixo exprimir seus segredos e juntos fazermos os ouvidos alheios felizes.
Obrigado expressar em palavras nossos sentimentos.
beijo,
edinho
Oi, Edinho!
Acho que vivemos um mundo de muitas cobranças e isso, infelizmente, pode atrapalhar até a relação com o contrabaixo.
Como diz a grande contrabaixista paulista Ana Valéria Poles, “precisamos matar um leão a cada dia”.
Primeiramente, talvez fosse melhor alçar o contrabaixo à categoria dos amigos complicados, hahaha!
Depois, aí você move o lindo para os amigos descomplicados…
“Inimigos” são os que não reconhecem e ignoram a nossa luta diária para sobrevivermos como contrabaixistas e sermos felizes assim…
Beijocas contrabaixísticas procê
Parece que fui eu que vivi isso tudo….tomara que consiga ressuscitar o amor que era grande pelo Arnaldo meu contrabaixo que se encontra triste num canto da sala…
Obrigada
Sylvia, felizmente esse amor não tem os nhêm-nhêm-nhêns de muitos outros amores, né? Essa é uma crise que depende muito mais da gente que do contrabaixo… Reprograme-se! Aja! Lute! Estou na torcida por você! Boa sorte contrabaixística!