Por muito tempo, especialmente na época de criança, eu sentia dificuldade em perceber o contrabaixo nas músicas que ouvia. Eu gostava do nome, da ideia de um instrumento que seguia por uma espécie de mundo subterrâneo, abaixo do plano por onde transitava a melodia. Mas, no fundo, não sabia direito o que era o contrabaixo – e quem seria aquele sujeito misterioso, o contrabaixista. Confundia o timbre, a função…
Um dia, claro, eu aprendi a identificar o som emitido pelas quatro cordas grossas. E percebi que vinha dali o esqueleto da música, quando não a própria musculatura. Desde então, o baixo passou a ser a primeira coisa na qual eu reparo quando escuto uma canção. É algo natural. Como se eu tivesse acionado irreversivelmente um seletor de ‘agudos’ em minha cabeça, de modo a tornar certas frequências mais perceptíveis, de modo a identificar os sons graves de maneira mais evidente, quase em relevo. Em música de orquestra, desenvolvi reflexo semelhante com o fagote, ainda que em menor escala: mal eu começo a ouvir e minha atenção se encaminha diretamente para ele. Seria uma afinidade com os timbres ribombantes? Não sei.
Bom, antes que você imagine que o ‘Eu só queria jantar’ deixou de ser um blog de comida, eu começo enfim a chegar ao ponto. Quero dizer que, depois que você passa a perceber o arroz do niguiri – assim como acontece com o referido contrabaixo -, nunca mais deixa de notar sua presença fundamental na mais refinada das variantes do sushi. Nos primeiros bolinhos provados na vida, muitos anos atrás, era o peixe que se destacava. Mas a percepção vai se refinando. E vamos tendo acesso a coisas melhores. E um dia notamos que ele, o arroz, está lá. Sempre esteve.
E acabamos por desenvolver uma espécie de coordenação motora intrabucal, de mistura de habilidades tácteis e gustativas. Conseguimos perceber o conjunto dos grãos, e ao mesmo tempo, um único grão, isoladamente. Nos divertimos saboreando texturas, temperatura, acidez, doçura… E, diante de um bom arroz, a experiência é maravilhosa. Mas eis aí que surge o problema. Quantos sushimen de São Paulo são capazes de fazer um arroz deliciosamente cozido, temperado e manipulado?
Eu diria que no Jun Sakamoto e no Shin-Zushi, cada qual ao seu estilo, a qualidade é superior. Num patamar abaixo, eu colocaria Aizomê, Kinoshita… e aí começaria a ter de quebrar a cabeça para engordar a lista (aliás, lembrei outro: Hamatyo). São poucos, talvez raros. E o que é uma pena. Pois eu não nunca mais deixei de perceber o arroz. Assim como nunca mais desliguei do contrabaixo.
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Não Atire o Pau no Gato, com a OFMG (Belo Horizonte – MG), 26/9/2011 »