Marcador: Segredos Contrabaixísticos de Duda Pum-Pum-Pum e outros textos


Texto publicado na Revista FCBR

Tia Duda vai embora tão rápido quanto entrou, apressada e sem tempo para esperar a sobrinha terminar de fazer cocô.

A menina sai do banheiro e quase tromba com um gigante no quarto…
Ela nunca tinha visto nada igual…
Tão enorme e assustador, que ela cai de bunda no chão e só tem tempo de fugir dele de gatinhas, e o mais rápido que pode.

Esconde-se atrás da porta do seu quarto, apavorada com a ideia de que o barulho do coração denuncie seu esconderijo, e só sai de lá ao ouvir os passos da mãe que acaba de chegar.
– Ma-mãe… gigante! Gigante!
– Mamãe gigante? Que nada, minha filha… “Sou pequenininha do tamanho de um botão, carrego papai no bolso e você no coração” – brincou a mãe, enquanto pegava a pequena no colo.
Umas cantigas na voz da mãe embalam o sono sem gigantes da pequerrucha.
Gigantes não atacam crianças no colo da mãe…

No dia seguinte, a descoberta aterrorizante: a mãe saiu de novo para trabalhar, a Maria está na cozinha e o gigante continua lá naquele quarto enorme, pronto para correr atrás dela pelo apartamento!

E a vida continua seus dias, cheia de limites e medos, e o gigante medonho parado, a olhar para a menina de longe, de frente, de soslaio, com olhares de Monalisa…
No seu território, agora roubado pelo gigante, ela não ousa sequer atravessar as fronteiras daquela porta.

Mas logo logo, no meio de seus brinquedos, a menina descobre a mais corajosa boneca que uma garotinha poderia ter, a Fêfa!
Fêfa não tem medo de gigantes; já tinha lutado com muitos deles, e vencido!

E de conversa em conversa, Fêfa e a menina resolvem bolar um plano, para acabar de vez com aquele gigante que não deixa mais a menina entrar naquele quarto – que nunca fora dela, mas que era como se fosse…
A conversa é rápida e o plano, infalível: Fêfa deverá voar e cair em cima do gigante que, no chão, não poderá fazer mais nada.
E ficariam todos livres dele para sempre: a menina e seu exército de bonecas e brinquedos!

O plano é logo colocado em prática. Uma arremessada de Fêfa e tôuu… a boneca cai no chão, sem passar nem perto do gigante!…
A Fêfa agora corre risco de morte. Alguém precisa salvá-la do gigante, e rápido!

O palhaço Faniquito, apaixonado há tempos por Fêfa, se oferece para resgatá-la.
Uma arremessada, e o palhaço voador atravessa o quarto rumo ao gigante. Zuuumm… e tôuu no chão!
Ele até teve a sorte de voar mais que a Fêfa só que, como parou mais perto do gigante, agora corre mais riscos do que ela!…

E agora? Fêfa e Faniquito desmaiados no chão, e o gigante lá, parado olhando para eles e para a menina, imóvel, pronto para atacá-los!
A menina resolve pedir ajuda ao cachorrinho Pimpão, de pelúcia macia e orelhas bem peludas, que alça seu voo com as orelhas balouçantes e se estabaca bonito de focinho no chão!…

Guerra à vista!

A menina bombardeia o gigante com o pato Tibufi.
Depois é a vez do porquinho Tabule, mas nem a palhaçada da família do Faniquito, nem a patacoada do bando do Tibufi, nem a porcaria da turma do porquinho Tabule conseguem atingir o gigante, que espera pelo exército todo de brinquedos, para lutar com todos de uma só vez.
Chegou a vez do ursinho Pantufo e do seu primo Panqueca voarem para cima do gigante… e nada! Ursos não voam…
Ele é invencível sem mesmo lutar!

E todos os brinquedinhos estão agora no chão, a esperar por um resgate mais eficaz, antes que o gigante acabe com eles!
A menina pensa em chamar a Maria, mas ela não entende nada de gigantes, só de comida, e para gente pequena…

Uma cadeira para se proteger e lá avança ela em direção ao temível gigante quase destruidor de brinquedinhos!
E o gigante medonho parado, a olhar para a menina e para o exército de pelúcia, pano e borracha de longe, de frente, de soslaio, com olhares de Monalisa…

A menina atravessa com cuidado o exército de brinquedinhos nocauteados pelo voo, e aproxima a cadeira do gigante, que só espera pelo momento certo para dar o bote em todos…
Ela então vê uma arma perto dele. Será uma espada? Serve de espada!

A menina sobe na cadeira, pega o contrabaixo pelo pescoço e tenta cortar a barriga dele com a espada.
E ele grita um som esquisito. Um gigante que fala com voz de criança e de adulto!…

A mãe chega para o almoço, e se depara com a cena insólita: todos os brinquedos da casa no chão do quarto, e a menina sentada numa cadeira, cantando e conversando com o contrabaixo…
– Saia já daí e largue agora o contrabaixo da sua tia Duda, Leonarda!
– Tô conversando com o gigante, mamãe! Ele é meu amigo! O nome dele é Ludovico!…
– Ai-ai… Tal tia, tal sobrinha. Mais uma na família que conversa com instrumentos!…

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Texto publicado na Revista FCBR

A comunicação oficial do inspetor da orquestra jovem acabou por tirar o meu sono tão logo entrei para a orquestra:
– Dia 20 tem ensaio de naipe dos contrabaixos para a Nona Sinfonia, de Beethoven.
– É assim que vocês matam os que acabam de entrar para a orquestra? Não é a toa que ainda há vagas sobrando…
– A orquestra não mata; os contrabaixos é que adoram se suicidar. Por isso, optamos pelo ensaio de naipe.
– É obrigatório?
– Obrigatório e eliminatório. A rima só conhece quem falta.

Faculdade, ensaio três vezes por semana da Quinta, de Beethoven, e quinze dias para me preparar para o tal do ensaio da Nona… E a bolsa de estudo oferecida pela orquestra, que fica impassível a essa matemática de somar sinfonias…

Meus dias voam, o sono faz modulações no meio da noite, e a insônia insiste em pensar que toda noite de preocupação é noite de balada.

Os ensaios da Quinta na orquestra me deram uma noção do que seria a Nona…

Meu naipe era um tanto quanto difuso e estranho.

Zenilda era a chefe de naipe.
Antipática e pedante, achava que todos os contrabaixistas do mundo lhe deviam alguma espécie de homenagem, mas nem para outro tipo de homenagem ela servia, coitada: feia de doer, daquelas que um travesseiro era pouco para cobrir a cara na hora do vamos ver, e com um corpo que era a tábua mais desbundada que eu já vi. Daria para fazer um contrabaixo, e só.
“Passar horas sentada naqueles banquinhos de madeira devem deixar o traseiro dela anestesiado… Meu Deus, como alguém pode querer tocar contrabaixo na orquestra e esquecer a bunda em casa? Deve ser por isso que ela é assim tão enjoada: carência de bunda!” – pensava eu, enquanto tentava elucidar o mistério que fez a Zenilda ser contrabaixista e o mistério mais misterioso que fazia a Zenilda conseguir ficar sentada naquele banco horrível, tão desbundada que era…

Mas ela se achava a contrabaixista mais contrabaixista do planeta.
“Pelo menos, ela não sofre com a realidade.” – diziam alguns colegas de outros naipes, que não eram obrigados a lidar com o ego da Zenildinha. E que ego!

Desafinada por milímetros, mas suficientemente desafinada para ser percebida como tal, Zenilda entrou para a orquestra jovem sem concurso, por indicação de um velho contrabaixista muito afeito às tábuas da Zenilda, talvez porque ele não pudesse ser tão exigente e eficiente como outrora, ineficiência essa famosa, que as más-línguas diziam se estender dos olhos até as partes bifurcantes.

Zenilda tinha também o dom especial de conseguir tocar uma sinfonia inteira sem perceber que estava dois compassos atrasada ou adiantada.

E a Zenilda das cocadas saia distribuindo patadas nos ensaios: “afina!”, “seu ritmo tá errado!”, enquanto tocava mais forte e tentava impor o seu jeito peculiar de tocar errado achando que estava mais do que certa.

Do lado dela se sentava Zeferino, o concertino, que tinha sido escolhido como tal não por merecimento ou concurso, mas por falta de opção mesmo.

Zeferino era zen. Zen noção e zen condições, e ainda por cima natureba, passava o dia a fumar umas canabis ecológicas, e ia para os ensaios completamente chapado, rindo à toa e mandando beijinhos até para as notas fora da Zenilda, que passavam voando pelo seu nariz.

Diziam na orquestra que o auge da performance do Zeferino aconteceu no dia em que a Zenilda teve uma caganeira de emergência e precisou ser substituída idem num concerto didático importante em que, além das criancinhas de escola, apareceram também o governador do estado e seu séquito de puxa-sacos, logicamente para promover o projeto de inclusão musical firmado entre o governo e a orquestra.
Durante apresentações didáticas é praxe o chefe de naipe mostrar o seu instrumento para o público e tocar alguma coisinha para que o público fique quieto pelo menos nessa parte do concerto, já que depois…

Bem, o Zeferino foi pego de surpresa, pois tava acostumado a ouvir a Zenilda se exibir nessas horas.
Mas a Zenilda tava no vaso. E agora, Zeferino?
Com os olhos vermelhos, mais maconhados do que nunca, ele sorriu para a plateia aquele sorriso bem apatetado e tocou quatro notas longas: sol – ré – lá – mi.
Sim, as cordas soltas do contrabaixo, sem uma notinha presa ou um atirei o pau no gato sequer, porque a mão esquerda dele devia estar num bode daqueles.
A plateia não aplaudiu e ainda ficou esperando o solo, que não apareceu e nem iria aparecer, enquanto o maestro anunciava outro instrumento o mais rápido possível, para evitar burburinhos.
Mesmo assim, depois do episódio ele continuou no cargo de concertino e a orquestra passou a ter uma caixa de primeiros socorros, com direito a muito Floratil, que era guardado sugestivamente junto com remédios para dor de cabeça e uma…rolha de cortiça.

A falta de uma opção que tocasse contrabaixo a contento era grande e o terceiro contrabaixista era o Danúbio, que não era o azul, mas que valsava entre duas faculdades e a orquestra, sem tempo para estudar nem para uma coisa, e menos ainda para duas ou três. Para piorar o quadro, morava lá na rua que partiu…

O Danúbio foi o primeiro contrabaixista concursado da orquestra e passou porque, como a bolsa de estudo era no valor de uma pochete, foi também o único contrabaixista inscrito.
O maestro era o único membro da banca julgadora. “Um é número ímpar” – alegava ele para se justificar, e acabou passando o Danúbio.

Dizem que o maestro era regente de coralzinho qualquer, e que nunca tinha regido uma orquestra.
Ele foi chamado para ganhar dinheiro no projeto da orquestra e não pensou duas vezes em aceitar o convite, assim como não pensou em nada ao aprovar o Danúbio, mesmo porque ele nunca tinha ouvido nada mais feio e cavernoso na vida, mas não podia demonstrar isso reprovando o único candidato de contrabaixo.
Parece que essa foi a primeira vez que ele ouviu um contrabaixo com arco na vida. E, dizem as línguas ferinas, que isso foi um estupro auditivo inesquecível tanto que, nos concursos seguintes, ele delegou a função de banca de contrabaixo ao próprio Danúbio e depois ao próprio naipe.

No primeiro ensaio da orquestra, o Danúbio começou a tocar tudo com os dedos, em pizzicato, para espanto total dos violinistas e violoncelistas de plantão até que, envergonhado, confessou que aquela era a primeira vez que ele tocava com arco na vida.
“Mas, e no concurso?” – perguntaram todos.
Para deleite da galera pasma, ele deu a entender – um tanto quanto constrangido -, que o estupro não fora bem auditivo, mas que ele era jovem, porém maior de idade, e ainda terminou dizendo que cada um cuidasse do seu próprio arco, pois remeter o arco ou retomar o arco era um problema de cada um, e que ele preferia retomar o arco, e pronto.

E o quarto contrabaixista sou eu, Duda, que passei para a orquestra mediante concurso, cuja banca julgadora eram Zenilda, Zeferino e Danúbio. Os três não entravam num acordo. A Zenilda não queria dividir o trono de única contrabaixista da orquestra com mais ninguém, mas o Zeferino e o Danúbio a convenceram de que, com mais gente no naipe, todos poderiam tocar mais suave. Aí, a lei do menor esforço venceu, e passei para a orquestra com todos os meus pum-pum-puns e ronc-roncs.

E chega o dia do ensaio de naipe…
Zenilda aboleta a sua tábua no banquinho e olha para todos com ares de quem caga cheiroso. Zeferino senta-se rindo de tudo e todos, parecendo ouvir piadas do espírito de Dragonetti e contar piadas para o falecido Bottesini. Danúbio, com o contrabaixo na mão, ainda em crise sobre como tocar com o arco, mas pelo menos bem resolvido com os arcos da vida. E eu com meus pum-pum-puns e ronc-roncs assumidos, quase familiarizada com o naipe capenga, se não fosse o maldito nervosismo…

Começamos o ensaio.
Zenilda dá de tocar forte a sua desafinação e a implicar com qualquer nota afinada que ousasse sobressaí-la.
– Zeferino, afina essa nota!
– Danúbio, segura o arco direito!
– Duda, esse seu som tá horrível!
E o clima começa a esquentar:
– Não concordo com esse dedilhado!
– Eu acho legal!
– Você se acha a tal, né? Com essa afinação mais troncha que essa sua…!
– Você que vá tomar … conta do seu arco!
– Ô tábua de tocar contrabaixo, só porque aquele contrabaixista caquético e vesgo enxerga duas de você, não quer dizer que você toque por duas pessoas!
Entre desaforos e berros, de repente a Zenilda sai correndo pro banheiro, e fica por lá.
Eu saio correndo para o outro banheiro e também fico por lá.
– Cadê a caixa de primeiros socorros, gente?
– Só tem caixa quando é ensaio da orquestra. Ensaio de naipe tem não…
– É sempre assim: quanto mais gente tocando, mais m$%& soando…
– Pois é, o naipe de contrabaixo é o pum que anuncia…
– Então vamos para casa, porque hoje já cumprimos a nossa função de peido da orquestra!…

E assim, o ensaio acaba…

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Imagem retirada do blog mairabacampos.blogspot.com

Texto postado na Revista FCBR

Gumercindo era o contrabaixista mais tímido que alguém já vira ou ouvira na vida…

E meu contrabaixo começou a falar, após minhas inúteis tentativas de tocar uma música de um jeito mais expressivo…
– Eu aqui irritada e você vem me falar em Gumercindo? E quem é o Gumercindo?
– Era um dos poucos amigos de infância do Tibúrcio.
– E quero lá eu saber sobre o Gumercindo?

Sem me dar ouvidos, o contrabaixo continuou a sua história:
– Quando criança, ele fazia xixi nas calças, mas não pedia de jeito nenhum para a “tia” deixá-lo ir ao banheiro. Por causa disso, voltava para casa sempre molhado. No início, a mãe até conversava com ele sobre isso, mas depois de três calças ensopadas e cheirando a cachorro, passou a ralhar com ele. Como mesmo assim a tempestade não cessava, ela mudou de tática e passou a dar-lhe uns bons tabefes. Mas o xixi não tinha medo de tabefes e nem de bordoadas, e ela acabou por desistir de consertá-lo de vez, não sem antes apresentá-lo ao tanque e ao sabão, para que lavasse suas próprias calças.
– E o que tenho a ver com isso?
– Com o tempo, a chuva dele passou, mas a timidez nunca…
– E…
– E aí, menina Duda, ao invés de reclamar, ouça o que tenho para te contar, e depois tire as suas conclusões! Para tocar é preciso saber ouvir!…

Fiquei muda com a petulância do meu caquético contrabaixo mas, em respeito à sua avançada idade, passei a ouvir – muito a contragosto – aquela história, certa de que poderia ser contada num momento menos incômodo…
– Foi tanto lava e seca de roupa que, ao virar rapazote, quase foi trabalhar numa lavanderia – experiência da infância molhada não lhe faltava – mas um dia veio o circo…
– Que circo?
– Um circo mágico, com palhaços, trapezistas, equilibristas… e uma banda… e uma bailarina…
– Tinha contrabaixo?
– A banda ficava num canto quase escondido do picadeiro: violino, acordeom, percussão e contrabaixo acústico.

Fiquei a imaginar o tal circo, enquanto meu contrabaixo dava asas à minha imaginação:
– Todos, eufóricos, esperavam pelo início do espetáculo. Só Gumercindo prestava atenção naquele instrumento grande e gordo na penumbra do picadeiro. A música começou, misteriosa e enérgica, a dar o clima de suspense necessário ao espetáculo.

E o som do contrabaixo se apossou dos olhos e dos ouvidos do tímido Gumercindo, que nunca tinha ouvido alguém tocar um instrumento de verdade na vida. Até então, ao vivo, ele só conhecia mesmo os tambores de lata de leite e os chocalhos de feijão que a Maria dos Quindins, empregada da casa, improvisava para acalmar a peraltice dos pequenos, junto com os quindins do seu apelido.

O violinista cigano – de olhos bem negros e roupas típicas – tocava seus arabescos e trinados, e envolvia a plateia em agudos e melodias românticas, mas Gumercindo nada percebia, porque estava totalmente hipnotizado pelo contrabaixo…
Bem pelas pupilas do público passavam mágicos, palhaços e trapezistas, mas todos ficavam a milhas de distância do contrabaixo e dos sonhos de Gumercindo.

De repente, o contrabaixista passou a tocar com uma varetinha igual à do violinista, e uma melodia fosca e linda, grave e intensa saiu do contrabaixo, seguido pelo timbre melancólico do acordeom… Um tango talvez, quase tango…
A luz foi então diminuindo, diminuindo e, de um círculo de luz com contornos azuis e violeta, um cavalo adentrou o picadeiro com a mais bela moça que Gumercindo já vira.
Era a bailarina!…

E os arabescos da bailarina, ah, esses o Gumercindo viu!
E o cavalo lá, impassível, enquanto a bailarina ondulava, levantava e pulava sobre suas costas, para delírio da plateia, que mal respirava a cada salto, e do Gumercindo que, com os olhos marejados, enxergava um arco-íris de luzes e lágrimas a cada movimento da sua bela bailarina, até que ela ficou de cabeça para baixo, e seus olhos se cruzaram com os de Gumercindo, que fechou os seus e, quando acordou, estava em casa, com todos aguardando ansiosos que ele recuperasse os sentidos, enquanto o médico dava-lhe sais…

– O Tibúrcio também estava no espetáculo?
– Sim, e foi ele quem primeiro acudiu o Gumercindo, depois que ele desfaleceu com o olhar verde-intenso-fatal da Zíngara…
E continuou:
– O circo ficaria na cidade por mais três espetáculos. Gumercindo nunca teve coragem para falar com Zíngara, mas fora a todos os espetáculos, e sentara-se sempre no mesmo lugar, à espera do olhar de Zíngara, que sempre vinha ao encontro do seu, para dançar o tango quase tango, retina a retina…

No último espetáculo, resolveu que iria brigar com a sua timidez, e enfim falar com Zíngara após a apresentação. Quem sabe ele não a raptava ou quem sabe ele mesmo não fugia com o circo? – pensava ele, enquanto se refugiava no seu conto de fadas às avessas, em que a mocinha ficava na cidade ou o mocinho fugia com o circo.

E a melodia fosca e linda, grave e intensa do contrabaixo, acompanhada pelo timbre melancólico do acordeom recomeçou a enfeitiçar o ambiente… Tango que te quero tango, quase tango…
E mais uma vez, a luz foi diminuindo, diminuindo, e o círculo de luz com contornos azuis e violeta trouxe o cavalo com a só sua bailarina, que fluía, melíflua, pura lua…
E Gumercindo, inebriado em arco-íris e sonhos, esperou pelos olhos da sua bailarina pela última vez… Fogos de artifício estouraram de repente. Muitos fogos.
O cavalo dá um pinote inesperado, corre assustado, e derruba a bailarina, que de cabeça para baixo cai, e nunca mais se levanta… Silêncio, tumulto e gritos na plateia.

Gumercindo, aos prantos, só conseguia balbuciar uma coisa repetidamente quando conseguiu, no meio do tumulto, chegar ao picadeiro: “Me venda este contrabaixo… por favor… me venda… o contrabaixo…”.
– Nossa!… E ele virou contrabaixista?
– Sim, em homenagem à bela Zíngara, razão dos seus olhos e desatino do seu coração, ele se tornou contrabaixista, bem antes do Tibúrcio, até que sua morte precoce o separou do contrabaixo e o uniu em estrelas à sua Zíngara…

– E o contrabaixo dele?
– Sou eu, que fui parar na coleção de contrabaixos do Seu Sinhozinho para, só muito tempo depois, ser trocado por um fusca pelo Tibúrcio.

– Mas por que você me contou esta história?
– Porque temos que perder um pouco da timidez para conseguir algumas coisas na vida, seja para fazer uma homenagem, ou mesmo para tocar uma melodia…
– Não entendi…
– Você não consegue tocar aquela melodia, menina Duda, porque está tímida com os seus próprios erros… Para tocar, é preciso saber ouvir o coração…Decida como você quer tocar, e lute pela melodia que há em você!… Como o Gumercindo lutou…

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"How can I play with this stringless Cello...?" - pintura feita a giz de cera por Satheesh Paul

Texto postado na Revista FCBR.

Meu contrabaixo amanheceu cantando feliz, e estranhei tamanho entusiasmo matinal…

Depois, me lembrei de que, nos últimos 20 anos, ele só tocara na orquestra com o Seu Tibúrcio, mais precisamente durante todas as manhãs, de segunda a sábado.

Desconfiei que estar comigo significasse para ele viver em férias musicais e só fazer passeios bem amadorísticos…
Concluí que, enquanto luto para estudar e passar para uma orquestra, ele só quer saber de se abanar com a partitura!…
Êta contrabaixo mais vagabundo esse que eu fui arranjar!…

Preferi não pensar nisso tudo, para não ficar deprimida. Resolvi aproveitar o bom humor dele, e protelei um pouco o estudo, jogando conversa fora:

– Você hoje tá mais italiano que Bottesini, heim?
– São as boas lembranças, menina!
– E que boas lembranças o trazem tão cantador e encantador assim hoje?

– Ô Duda, já que você falou em Bottesini, me lembrei de Dragonetti, de Marcello… Sabe, não gosto mais de orquestra, mas adoro um solo bem tocado!… E, por falar nisso, quando é mesmo que vamos sair dos pum-pum-puns e ronc-roncs e dessa monotonia dos métodos de contrabaixo, heim?
– Erga as mãos para São Nico, porque o dia em que eu estiver tocando bem alguma coisa, seus dias sem orquestra acabarão!…

– Ah, mas nós podemos tocar bem só em casa, e eu bem que posso boicotar a sua ida para uma orquestra, ora!
– Como assim??
– Fazer como um amigo do Tibúrcio nos ensinou…
– Vai falando antes que eu resolva te colocar na vitrine daquela loja de novo!…

– O Tibúrcio tinha um grande amigo na orquestra, o Donatto, um italiano mafiosíssimo… Os contrabaixistas sempre ficam amigos dos violoncelistas. Acho que os violoncelistas gostariam de tocar contrabaixo e os contrabaixistas têm uma quedinha pelo violoncelo…
– E o que o tal do Donatto tocava?
– Oficialmente, ele tocava violoncelo mas, na prática, ele tocava muita nota fora, e de propósito, só para testar os maestros. Se fosse um bom maestro, ele ainda continuava a tocar uma nota ou outra fora, só para protestar à sua maneira contra os maestros.
– Por quê?
– Porque ele não suportava mafioso concorrente…
– Sério?
– Sim, e quando o maestro era ruim, aí é que ele tocava nota fora a torto e à direita, para provar que quem mandava lá era ele. Só que ele só mandava mesmo eram as notas ruins, e como maestro ruim nunca notava as notas fora, aí sobrava para o resto da orquestra aguentar as peraltices do Donatto…

– Mas nunca tentaram mandá-lo embora?
– Ele era um dos músicos fundadores da orquestra sem contar que, numa época de vacas magras orquestrais, ele ia ensaiar todos os dias, enquanto muitos colegas ficavam em casa, por causa da falta de salários. E para o bota-fora dele, o fundo de garantia atrasado da orquestra teria que dar uma festa!
– E…
– E aí que a administração da orquestra se sentia endividada por tamanha dedicação do Donatto e, endividada por outros motivos também, passou a fazer vista grossa para todas as estripulias dele…

– E, além de tocar nota fora, o que mais ele fazia?
– Como um bom italiano, virava-se sempre para trás, só para ver as pernas da Eufrásia, que ficavam abertas para tocar violoncelo. Não contente com isso, ainda beliscava a parte de trás de todas as musicistas que entravam para orquestra, numa época em que não se falava sobre o tal do assédio sexual. Depois, ainda dava uma nota para a candidata!…
– E ninguém fazia nada com o colecionador de beliscões?

– Bem, nunca soubemos o que aconteceu na sala dos músicos no dia em que o Donatto e a Gardênia ficaram sozinhos. Ela era uma violinista grandalhona, feia e filha de alemães. Tinha entrado para orquestra há bem pouco tempo. Dizia-se, à boca pequena, que o teste para entrar para a orquestra era mais fácil que passar pelo teste do Donatto, que tinha uma mão bem pesada.
– E aí?
– Ninguém viu nada, mas alguns disseram que ouviram uns gritos abafados vindos da sala e, logo depois, viram a Gardênia sair ajeitando a saia, enquanto o Donatto demorou a sair de lá.
– …
– Ninguém entrou na sala, com receio de constatar que o Donatto, além de feio daquele jeito, poderia o ser também por inteiro. E, de repente, lá saiu o Donatto, mancando e curvado, quase a cheirar o chão, gemendo e a segurar a sua própria vítima completamente nocauteada, enquanto a Genoveva, babando vingança, perguntava para ele qual era a nota do beliscão que ele tinha acabado de levar da outra…

– Uau!
– Depois desse dia, ele só cantava a mulherada, mas nunca mais colocou a mão em nenhuma, só os olhos.
– Que bom, né?
– E mesmo já velhinho, continuava a ser inconveniente com as suas cantadas, mas ninguém o levava a sério. Dizem que ficou traumatizado e fora de combate desde o amasso da Gardênia.

– Nossa… Mas o que você aprendeu sobre boicote com o Donatto?
– Tinha entrado um violoncelista novo na orquestra, para ser chefe de naipe…
– Ele fez o teste com o cara também?
– O Donatto não levava jeito para essas coisas, mas ele e o Malaquias não se bicavam de jeito nenhum. As línguas mais ferinas diziam que o Malaquias é que levava jeito, e que não gostou de ser rejeitado.

– Nossa…
– O fato é que o cara começou a perseguir o Donatto e a reclamar das notas desafinadas dele no meio dos ensaios. E as reclamações se intensificavam quando o Donatto se virava para ver as pernas abertas da Eufrásia. Um dia, o Malaquias teve um ataque de pelancas quando o Donatto olhou para o decote sem recheio da Efigênia, logo depois da hora do café, o que podia, por si só, ser considerado motivo de indigestão – e sem remédio -, menos aos olhos míopes e vesgos do Donatto e ao ciúme do Malaquias…
– E o que aconteceu?
– Os dois começaram a discutir no meio do ensaio, com o Malaquias a reclamar o tempo todo das notas erradas do Donatto, que passaram a virar uma metralhadora de nota fora.

– E o boicote?
– Chegou o dia em que o Malaquias foi solar com a orquestra o Concerto para Violoncelo, de Lalo. Ninguém sabe como, mas o Donatto descobriu que o Malaquias usava uma “cola” no violoncelo, feita com giz, para não errar as passagens mais comprometedoras.
– Hum…
– Pois é, na noite do concerto, teatro lotado, o Donatto deu um jeito de apagar as marquinhas de giz, e passar todas elas mais para o fim do espelho, exatamente quando o violoncelo do Malaquias estava deitado no chão, na penumbra da coxia, minutos antes dele adentrar o palco para fazer o solo.
– E onde ele estava?
– Tinha ido ao banheiro, chance de ouro do Donatto. O Malaquias foi ao banheiro antes, mas cagou mesmo a música foi na hora do solo. De tão ruim, ele foi despedido logo após o concerto.

– Ah, então você vai boicotar a minha prova só porque eu faço o mesmo? Você vai mesmo ter coragem de apagar as marquinhas que coloquei em você?
– Sabe, estou meio cansado dessa pintura indígena, menina!
– E eu estou quase me sentindo ameaçada… Mas o que aconteceu com o Donatto?

– Ficou ainda muitos anos na orquestra. No dia em que ele morreu, a orquestra fez – a pedido dele – não aquele minuto de silêncio usual, mas sim um minuto de bagunça, com todos tocando o que queriam ao mesmo tempo. E o maestro dessa vez notou que o som da orquestra estava diferente!

Meu contrabaixo encerrou o assunto e voltou a cantarolar à italiana, talvez numa homenagem às suas próprias memórias e histórias…
E eu fiquei aguardando a próxima, não sem o receio dele fazer uma autobiografia e contar que eu uso marquinhas no contrabaixo para estudar…

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Texto postado na Revista FCBR.

Hoje é meu dia, dia de Duda Pum-Pum-Pum Ronc-Ronc em concerto da orquestra jovem.
Teatro Municipal, orquestra com piano solo, 2º movimento.
Música suave e lenta e silêncio absoluto na plateia.

Uma emoção muda salta aos meus olhos, entre uma nota e outra e, no meio daquela partitura, falta-me fôlego para descrevê-la.
Parte das notas aparece e desaparece. Enxergo umas notas, perco outras, adivinho mais outras, e a concentração indo embora a cada nota tocada ou não tocada…
Enxergo mal. Apreensão. Mal-estar.

Olho para o contrabaixista ao meu lado, que sequer tira os olhos da partitura.
Que fazer? Sair do palco? E se eu desmaiar agora?

Se a música ficasse barulhenta e ensurdecedora, eu poderia dizer alguma coisa, balbuciar, sei lá…

Mas os contornos suaves da música e a sisudez dos princípios orquestrais estavam todos ali, a me impedir de levantar o traseiro do banco de contrabaixo.
A mesma maldita sisudez orquestral que não nos deixa sair do palco nem com crise de tosse.
A tosse que aprenda a se pronunciar nos “tuttis” orquestrais e a usar a sordina no restante da música.
Orquestra não é lugar de tosse mal-educada!

E o mal-estar aumentando… Cada vez mais as notas somem e aparecem.
As linhas da partitura, antes retas, ficam desconexas: uma linha para lá e outra para cá. As linhas se mexem. Jogo da velha? Alfabeto japonês?

Agora, a estante preta de música começa a ficar marrom.
Linhas que se mexem, mancha marrom que escorrega. Taquicardia.

O arco fica impreciso e a mão esquerda… Que mão esquerda? Pianista? Onde?
Olho para a esquerda e vejo o rabisco japonês na estante ao lado.

Começo a ter vertigens musicais e a achar que parte do naipe se perdeu na contagem dos compassos. Será?
E os jogos da velha e os palitos japoneses a oscilar entre uma estante e outra de contrabaixos. Delírio?

E a música que não acaba…

De repente, um tutti da orquestra em fortíssimo súbito, acompanhado do barulho de um sapato masculino: plac – splash!
A música que nos desculpe, mas a sapatada foi fundamental.

E a cascuda encerra ali sua vida de baratarina.

Recomeço a ler sem antenas a me atrapalhar.
O concerto continua como se nada tivesse acontecido, e sem marcha fúnebre…
O concerto deve sempre continuar…

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"Homem Idoso", de Guilherme Roemers

Texto postado na Revista FCBR.

Quando comecei a tocar contrabaixo, o Seu Tibúrcio já era um contrabaixista bem velhinho de orquestra, mas eu mesma não cheguei a conhecê-lo.
Quem me contou essa história, entre uma passada de resina e outra, foi meu contrabaixo.

– Nossa, você conheceu tanto contrabaixista!
– Nem te conto, menina!
– E como ele era?
– Fiquei com ele nos últimos vintes anos dele na orquestra, depois que o Seu Sinhozinho resolveu se livrar da coleção de contrabaixos dele e me trocar – justo eu – por um fusca velho com o Tibúrcio. Cheio de manias e ranzinzices, implicava com tudo e todos… Ele era uma Dona Marieta, só que de casaca, sabe?

E meu contrabaixo, inspirado pelas lembranças, continuou:
… Ele sempre chegava duas horas antes do ensaio começar.
Nunca soubemos o exato porquê disso, mas as más-línguas orquestrais diziam que ninguém o suportava em casa, até que um dia ele passou a morar sozinho.
Com os anos, desenvolveu um ódio mortal pela ex-mulher e parece que a recíproca era mais que verdadeira.

Dos filhos, ficou a distância cada vez mais distante, acentuada pelo fato do pai morar tão longe – duas quadras físicas, a milhas de esquecimento mútuo e pertíssimo da praia, que ele não frequentava desde que os filhos eram pequenos, por conta dos ensaios matinais da orquestra.

Talvez nem ele mesmo se suportasse em casa, mas o fato é que resolveu a solidão constante fixando moradia no bar em frente de casa, local em que almoçava após o ensaio, bebia após o almoço, lanchava após a bebida, jantava após o lanche e bebia, até que, a passos pra lá de trôpegos e cansados, voltava para casa.

Nós só nos víamos na orquestra. Eu ficava na caixa, aguardando que ele me tirasse de lá, religiosamente duas horas antes dos ensaios, de segunda a sábado, e dos dias de concerto. Aos domingos, ele ia estudar o sabor da cerveja durante o dia inteiro, e eu tirava para dormir um sono sem pesadelos com contrabaixistas e maestros.

Convivíamos durante cinco horas diárias, às vezes bem mais que isso, principalmente quando tocávamos concertos de piano na orquestra, e os pianistas davam bises de cinco longas músicas, para desespero dos músicos que perdiam a condução usual para casa, e para delírio do público – que sequer pensava nos músicos, e nem devia saber que a maioria morava bem longe -, e deslumbre do pianista, que viajava nos aplausos, enquanto se lixava para os músicos, e para o público a cada vaidosa nota tocada com os olhos grudados em seus próprios dedos.

Eu mesmo só perdia a paciência quando isso acontecia, mas Tibúrcio perdia a saideira usual de todas as noites menos aquela, o que o deixava mais casmurro e resmungão.
Talvez eu tenha sido o melhor amigo dele nos últimos vinte anos, depois do amigo copo de cerveja, é claro, e cheio…

– Que triste isso… – falei.

Nesse momento, meu contrabaixo quase chorou, mas logo voltou às suas lembranças:

Durante os seus cinco últimos anos de orquestra, Tibúrcio começou a colecionar manias uma atrás da outra, muitas que geravam chacota dos colegas da orquestra, mas ele nem se importava. Vivia cada vez mais em um mundo à parte, onde só cabiam as suas esquisitices.

Ele nunca foi um talento de contrabaixista mas, com o caminhar dos anos, passou a cacarejar as notas no contrabaixo com um som horrível e sofrido, até que se especializou em cacarejar com o arco somente na ponta. Acho que ele queria comprovar que elefante cacarejava…
Esse, digamos, desenvolvimento instrumental dele, quando não acompanhado dos tais gracejos e comentários maldosos, passou a ser seguido por olhares constrangidos entre os colegas. Quando ele incorporou de vez o seu incômodo modelito de tocar, todos então passaram a fingir que nada acontecia. Felizmente, ele não deixou discípulos e nem fãs da técnica.

Daí, começaram as implicâncias dele com a estante de música. Ele a puxava só para si, e o colega de estante que tentasse adivinhar ou decodificar à distância o que estava escrito na partitura.
Com isso, se intensificaram as intrigas e futricas no seu naipe de contrabaixo, e os colegas então passaram a fazer revezamento para tocar na mesma estante que ele até que, no dia em que ele colocou a estante toda exatamente na sua frente, ninguém mais quis dividir a estante com ele.
A partir daí, ele passou então a se sentar sozinho na última estante, olhos nos olhos de sua estante de estimação e bem distante dos afortunados ouvidos alheios pouco chegados a cacarejos e rosnados de contrabaixo. Um dia, sem sequer se dar ao trabalho de dizer o porquê, passou a se posicionar nos concertos bem afastado de todos, quase a cheirar a cortina do teatro. Um excêntrico entre os excêntricos…

Por essa época, também começou a carregar no bolso da camisa um papel, que passou a ler, vez por outra, antes dos ensaios. Um número de telefone? Uma lista de compras de supermercado?

A mania foi tomando corpo e, em pouco tempo, o misterioso bilhete passou a ser lido todo santo dia antes dos ensaios. Isso está com cara de bilhete de amor… Mas será? – conjecturavam os colegas.

Muitos foram os curiosos de plantão que indagaram o velho contrabaixista sobre o conteúdo daquele enigma, mas os foras e desaforos dele primeiramente passaram a ter prazo de validade de uma parte do ensaio, mas acabaram por se intensificar consideravelmente. Porém, o medo de que o velhinho tivesse um piripaque no ensaio, deixou a curiosidade alheia com um modesto lote de perguntas no início do ensaio e o montante para o ensaio seguinte, quando a metralhadora de perguntas voltava a atacar Tibúrcio, que resmungava e, pasmem, agora – para desespero orquestral – voltava a ler o malfadado bilhete novamente, atiçando mais a cada dia os comentários e a bisbilhotice dos colegas.

E dia após dia – até que completou um ano -, o encardido bilhete ia e vinha do bolso para as mãos, das mãos para os olhos e voltava para o bolso, depois de ser dobrado pela enésima vez.

Tudo foi tentado para ludibriar o pobre velho e tentar pegar o mapa do tesouro. Derrubaram as partituras da estante dele, na expectativa de que ele, ao se abaixar para pegá-las, deixasse o bilhete cair, e nada…
Derrubaram água na camisa dele, “sem querer”, na hora do lanche, mas o velhinho foi mais do que rápido em salvar sua relíquia.
Fizeram aposta, bolão, etc., e o tempo passando e o bilhete passando perto do nariz de todos, que nada conseguiam fazer para saber o conteúdo do lindo.

Um dia, o tão receado momento enfim aconteceu, quando o Tibúrcio teve um piripaque estrimilicoso no início do ensaio e partiu dessa para orquestras melhores…
Os colegas aproveitaram esse momento único e voaram para o mais que desejado bolso do colega, que jazia no chão.
Uma mão mais afoita ganhou o troféu enquanto leu, com voz trôpega e embargada, o conteúdo do bilhete para os ouvidos consternados de todos: “mão esquerda: contrabaixo; mão direita: arco”.

Como já disse eu, Duda Pum-Pum-Pum Ronc-Ronc, não conheci o Tibúrcio, mas o contrabaixo dele agora é meu…

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Texto postado na Revista FCBR.

Estudo contrabaixo numa escola.
Felizmente, o curso é de graça porque, se fosse pago, não poderia pagar as infindas prestações do meu contrabaixo. Consegui “dividívidas” por 24 meses, e então poderei finalmente ter o meu contrabaixo só pra mim, sem sociedade da loja, no próximo Natal!

Morri de amores pelo meu contrabaixo quando o vi, tristinho e deprimido, numa vitrine de loja, lá no Centro.

Das charmosas lojas de lá, sei que muitas mulheres prefeririam um casaco bonito, um chapéu ou mesmo um cachorrinho de estimação, mas eu gamei naqueles olhinhos dele que só eu enxergo, e naquele sôfrego psiu que ele me fez da vitrine, só para que eu olhasse para aquela melodramática situação operística dele na vitrine, tendo que dividir espaço com vários instrumentos, que eram capazes das mais vis atitudes, tudo por causa do malvado vitrinista, que só queria saber de amontoar os instrumentos todos na vitrine, e eles que se danassem por um lugar aos olhos dos transeuntes.

Depois que seu antigo dono – um velhinho contrabaixista de orquestra – morreu, seus filhos preferiram vendê-lo em uma loja, assim como o apartamento e todas as pequenas relíquias que o bom velhinho juntara ao longo de muitos anos de esporro e chilicote de maestro e às custas de muitas intrigas orquestrais…
– E o que faremos com este rabecão?
– Já que estamos em junho, que tal uma fogueira?
– O vovô ia ficar feliz de ter uma vela de contrabaixo de verdade, assim tão grande, no bolo dele!

Em poucos dias, o pobre contrabaixo passou então a morar numa empoeirada loja de terceira categoria, à espera de alguém que conseguisse enxergá-lo através de toda a vaidade instrumental que o sufocava na vitrine.

A bateria com aquele seu véu de acessórios foi a primeira a deixar cair pratos e parafusos no contrabaixo, que levou um susto e algumas escoriações.
– Ui! Vê se olha por onde anda!
– Pra quê? O importante é ver com quem se anda, pra eu te dizer quem eu sou!
– E quem é você?
– Sou quem vai acabar com a sua paz quando você estudar de dia e quando você tocar na noite! Eu não vou deixar nem um ronquinho seu aparecer, e o meu baterista vai atravessar com tanta classe, que vão pensar que o culpado é você!…
Enquanto isso, mais pratos e parafusos caíam em cima do contrabaixo! E o mau-caráter do vitrinista ria a cada trombada de instrumentos ao rearrumar ou espanar a maldita vitrine…

Aí foi a vez do teclado… Troncho e malcuidado, gostava de cair em cima do contrabaixo só para que aquele seu horroroso lá do diapasão desafinado soasse ininterruptamente. Aquilo era uma lá de raspão, nunca um diapasão!
– Não dá pra parar com esse lá-mento, não?
– Trate de se acostumar, ô meninote! Quero ver a sua cara quando tiver que afinar pelo meu lá! De tão baixo, suas cordas ficarão tão frouxas, que tome cuidado para as suas calças não caírem! – debochava o desalmado teclado.

A vitrine se abriu, e mais um instrumento foi jogado na vitrine.
Surpreso, o contrabaixo só teve tempo de balbuciar:
– P-primo?
– Qual é, camarada? Que primo, o quê? Só porque eu sou um baixo elétrico, você vem apelar pra histórias de família? E na hora de arranjar trabalho, desde quando fomos parentes, hein? E na hora de tocar, desde quando fomos da mesma família? Vá catar coquinho, Mané!

E a vitrine se abriu mais uma vez…
Ah, a clarineta!… Linda clarineta! Formosa clarineta! Bela clarineta!
E a clarineta passou a encher de poesia a solidão do contrabaixo… O tempo passando, passando, e estávamos quase no Natal…
E um dia, sem sequer um adeus, ela some nas mãos de um menino, cuja mãe tivera a coragem de tirar a doce clarineta do alcance dos seus olhos e dos seus safados pensamentos…
– Puxa, não tivemos nem um esbarrãozinho sequer!… Nem um guincho… – lamuriava-se o contrabaixo masoquista, enquanto as lágrimas escorriam por sobre o seu verniz…

Até que um dia, uma gosma marrom caiu em seu ombro.
Com o susto, a primeira coisa que pensou foi em pombos.
– Mas, pombas, aqui dentro não tem pombos!
Ele se virou pra cima e, indignado, viu uma batuta estrategicamente escondida na prateleira acima da sua voluta.
A batuta pega em flagrante, gritou:
– Não fui eu! Foi você!
– E não adianta fazer merda e querer colocar a culpa nos contrabaixos, porque eu conheço essa técnica, ouviu?

De repente, uma moça passou em frente à vitrine e parou.
– Xii! Fiquem quietos – alguém gritou.

Quando a moça já ia embora, ela ouve bem baixinho: psiu!
Curiosa, ela volta os olhos para a vitrine à procura do dono do sôfrego psiu… E vê, atrás de um teclado velho, de uma bateria toda despencada e de um baixo elétrico exibido, um contrabaixo todo melecado e cheio de remendos…

Foi paixão à primeira vista. Ela olha, e olha, e olha o contrabaixo. Pensa, repensa e, enfim decide entrar na loja.
Depois de meia hora de ansiedade e falta de ar, o contrabaixo vê a vitrine se abrir.

– É isso aqui, dona?

O contrabaixo, emocionado e pego de surpresa, não tem nem tempo para discursos, mas improvisa um:
– Tchau, bundões! A gente se vê nos palcos da vida!… E cuidado comigo!…

E assim começa a parceria de Duda Pum-Pum-Pum Ronc-Ronc e seu contrabaixo…

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“É uma formiga carregando um elefante!”
E a formiga em questão, mesmo se sentindo uma porca de gorda, era eu.

Os elogios contrabaixísticos continuavam sendo extraviados em casa, mas na rua eu era a sílfide do momento.
Com tantas mulheres-frutas, e eu me sentindo o máximo como mulher-contrabaixo.

Como diria um amigo: gosto não se discute, lamenta-se.

“Talvez eu devesse sair mais vezes com o contrabaixo, para recuperar a autoestima”, pensei.
E aí, voltei para casa cheia de planos e mirabolâncias.

Peguei um caderno e resolvi fazer um plano mesmo, daqueles que nunca consegui fazer para estudar contrabaixo (a culpa é dos vizinhos!), e comecei a rabiscar a estratégia da mulher-contrabaixo: segunda-feira de manhã, Duda Pum-Pum-Pum Ronc-Ronc com vestido amarelo e contrabaixo, 2ª feira à tarde, Duda Pum-Pum-Pum Ronc-Ronc com vestido floral e o contrabaixo, 3ª feira…
Quando a semana já estava quase completa, descobri que não conseguiria completar a semana de desfiles contrabaixísticos com o meu corpitcho 20 kg acima, porque não teria modelito para fazer o desfile.

E o pânico se apoderou dos meus pensamentos: como emagrecer sem elogios e como ser elogiada sem roupas dignas?

Nesse momento me lembrei de todas as vezes que caí fora das malditas academias por causa daquelas insuportáveis roupas de ginástica que sempre insistiam em dedurar todas as gordurinhas, dobrinhas e pneuzinhos, e todos os diminuitivos bem aumentativos da falta de forma.

Como eu poderia fazer a minha ginástica com o contrabaixo, ganhar elogios para aumentar a estima, mesmo porquíssima da vida, e ainda fazer uma ginástica – carregando o contrabaixo, é claro – sem que ninguém olhasse para mim e para as minhas gordurinhas para me criticar, e sim só para elogiar a autosereia contrabaixista aqui e detonar o trambolhudo do lado?

Estudar em casa, engorda. A gente fica vendo aquele monte de nota que não consegue tocar e começa a dar uma zique-zira, uma impaciência e… pausa para comer.
Aí, vem aquela feitiçaria toda de vassourada dos vizinhos, parentes reclamando, CDs alheios que caem automaticamente sob os meus ouvidos e… pausa para comer.

E a minha solução, minha pobre ginástica com o contrabaixo, ali ao meu lado, fadada ao fracasso antes mesmo de ser instituída como um método sério de perda de peso, que aliaria a ginástica ao elogio, bastando que o foco de atenção fosse desviado para algo mais gordo do que a candidata a arco de contrabaixo…

O que fazer ? Reformar umas roupas? Nem pensar. Não vou gastar dinheiro, ainda mais se vou virar um palito de fósforo anoréxico com a minha infalível ginástica… Usá-las apertadas mesmo? Nem pensar. Olhos anestesiados não devem ser provocados. Repetir os modelitos?
É o jeito, mas assim os elogios vão se cansar de mim…

Ideias, ideias… Já sei! E enquanto pensava, de repente vislumbrei ao longe, bem ao longe a solução: mudar de caminho.
Concluí, que daria uma volta bem maior no quarteirão nos dois últimos dias na semana, duas vezes ao dia, usando os modelitos dos outros dois dias do início da semana, para não correr o risco de encontrar a Dona Maricotinha pelo caminho e… vocês já sabem…
A solução era algo simples como se ao invés de estudar um pequeno trecho orquestral de cinco minutinhos, eu resolvesse estudar a sinfonia toda de 40 minutos de duração.
Pelo menos deve surtir mais efeito, já que vou andar bem mais! – pensei.

O contrabaixo, coitado, já estava cansado só de me ver pensar, mas estava tão aliviado por não me ver tocar, que toparia qualquer negócio, mesmo que fosse desfilar sob o sol, desde que isso significasse uma pausa auditiva para ele e para o meu condomínio de vovós das candongas.

“E aí, contrabaixo, contrabaixo meu, existe alguém mais quase futuramente magra do que eu?”.
“Tá me elogiando tanto, que eu acho que você tá ficando cego por conveniência… O pior cego é aquele que não quer ouvir, sabia?”

O início da semana de exercícios transcorreu dentro do previsto. Religiosamente, eu me aprontava para descer, me odiava a cada passada pelo espelho, pegava o contrabaixo, descia pelo elevador, torcendo para não topar com Dona Marieta e sua gang, e ganhava a rua…

“Que monstro é esse, mamãe?”.
“Minha filha, você deveria tocar flauta!”.
“Não sei como você aguenta carregar um trambolho desses!”.

E a mulher-contrabaixo se achando!…

No último dia da semana de exercícios “contrabaixísticos”, eu já estava com a língua no chão.
Os braços doíam, as pernas estavam tronchas, o humor tinha se extraviado junto com os elogios contrabaixísticos, e eu já nem passava mais em frente ao espelho.
E o contrabaixo ali, todo sorridente, porque os estudos tinham diminuído drasticamente e a paciência para estudar tinha ido para a… deixa prá lá.

E no vestido amarelo repetido, lá desço eu com o contrabaixo, e trombo com a Dona Cremilda no elevador: mau presságio…
– E cadê aquele pum-pum-pum todo?
E o vestido amarelo ali, esperando para dizer o esconderijo do pum-pum-pum todo…
– Nossa, mas você engordou, hein? Ugh! Que cheiro ruim!
– O pum-pum-pum da Duda se vingou, tia!

A porta do elevador se abriu e Duda Pum-Pum-Pum Ronc-Ronc, mais digna ao nome do que nunca, saiu do elevador p da vida, sob os olhares sufocados de Dona Cremilda, que jamais iria se esquecer do repolho cozido com feijão e ovo do almoço customizado de Duda Pum-Pum-Pum amarela.

E na rua, hoje ainda era o dia da sinfonia…

De cara amarrada, no meio daquele caminho que parecia não ter fim, ela ainda conseguiu ouvir o cochicho de dois homens:
– Nossa, um elefante amarelo carregando um elefante marrom!…
– Ah, pra tocar isso aí, essa mulher deve ser é sapata! Olha só o barrigão dela! E de vestido amarelo? Sei não…

Um elefante incomoda muita gente, mas dois elefantes agora só incomodavam a Duda.

Duda Pum-Pum-Pum Ronc-Ronc deu meia volta, voltou pra casa, trocou de roupa e resolveu esquecer a maldita ginástica com o contrabaixo para sempre.
Voltou a estudar contrabaixo por mais tempo. Os vizinhos que se lixassem! A culpa era toda da Dona Cremilda! Bem-feito!…
Estudar contrabaixo já é uma ginástica e carregar contrabaixo para estudar também… Sedentarismo?
Ah, isso é intriga de médico que fica sentado o dia inteiro atendendo paciente e não pode fazer música!
Sedentarismo é levantamento de estetoscópio e caneta!…

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Primeiro, veio o choque:
– O que é isso, minha filha?
– Um contrabaixo, mãe! Gostou?

Depois, vieram as tentativas de me fazer desistir:
– Minha filha, para de fazer pum-pum-pum com esse troço o dia inteiro!… Daqui a pouco, você ficará conhecida na vizinhança por Duda Pum-Pum-Pum!…
– Cada um com o seu pum-pum-pum, mãe! Não tem gente que prefere ficar no seu quadrado?

Daí, passei dos pizzicatos (pizzicati) para o arco, mas pouca coisa mudou…
As lamúrias familiares, as vassouradas vizinhas no teto, os cds que de repente começavam a tocar na hora do meu estudo, enfim todos continuaram a atazanar a minha vida contrabaixística…
Para mim, ainda é um mistério esse talento do contrabaixo em anabolizar as línguas ferinas e extraviar os elogios à nossa performance…

Dias após dia, os elogios eram extraviados, e só chegavam mesmo as contas para pagar…

– Tô até com saudade daquele pum-pum-pum nosso de cada dia… Agora, é esse ronc-ronc tedioso o dia inteiro! Vão acabar te chamando de Duda Ronc-Ronc!…
– Ah, mãe, é ronco musical! Eu sei que você vai nos amar, por toda a nossa vida, um dia!…
– Se você pensa que vai fazer comigo, o que faz com todos que te amam, acho bom saber que…
– Ah, mãe, mas eu tô mudando… Você não acha?
– Claro! Agora é pum-pum-pum e ronc-ronc o dia todo! Quando é que isso aí vai virar música, hein?

Parece que praga de mãe se espalha rápido…

Um dia, entrei no elevador com meu contrabaixo, e dei de cara com a Dona Marieta, a fofoqueira-mór do edifício:
– Então você é a famosa tocadora de pum-pum-pum aqui do prédio!

O Hulk podia virar uma alface verde raivosa quando se irritava, mas eu tenho certeza de que naquele momento virei mesmo foi um tomate de pelúcia falante e malcriado…
– Não tão famosa quanto a senhora, e nem tocadora e nem cheiradora de pum-pum-puns: Duda!
… E isso, enquanto me esforçava ao máximo para não rimar o nome dela com o que eu gostaria de mandá-la fazer…

Noutro dia, foi a vez da Dona Maricotinha, outra vizinha que fazia parte da rede de intrigas, fofocas e espionagem da Dona Marieta:
– Huuum… Então isso aí nessa capa preta é o misterioso presunto que ronca aqui das redondezas?
– Não é ele que ronca, sou eu! E, com todo respeito que a senhora não teve, eu ainda babo, mordo e grito! A senhora quer ver?
– Pra que, minha filha? Isso não é nada perto do que você toca…

E assim foi com o Seu Anastácio, com a Dona Cremilda, com o Seu Zequinha Bisbilhotô, com a Dona Pafúncia…

Em pouquíssimo tempo, passei a ser conhecida como a Duda dos pum-pum-puns e ronc-roncs!

Descobri também que não havia nada mais que pudesse ser feito, e que não adiantava ficar contra tudo e todos, ainda mais quando se toca um instrumento que tem um contra embutido no nome: nessas horas, precisamos de aliados e não de inimigos.

Até que um dia, mais um vizinho me abordou no corredor:
– Você é a…
– Isso mesmo: Duda Pum-Pum-Pum Ronc-Ronc, por enquanto! Prazer em conhecê-lo e prazer em ser conhecida!…

E assim, começou a saga contrabaixística de Duda Pum-Pum-Pum Ronc-Ronc…

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Agora, gente, virei colunista da Revista Fórum Contrabaixo BR!

Minha coluna é sobre uma contrabaixista, a Duda, que um dia virou Pum-Pum-Pum Ronc-Ronc, mas aqui vai, antes de tudo, a minha apresentação:

“Sou Voila Marques, contrabaixista carioca, por enquanto com quase meio século de vida, embora isso ainda seja pouco, perto da idade de muitos contrabaixos acústicos que encontrei ao longo da minha vida contrabaixística, e perto dos muitos contrabaixos que ainda estão por nascer, crescer e viver…

Apaixonei-me há muito tempo pelo contrabaixo, ao assistir uma aula do grande contrabaixista Sandrino Santoro – com quem me formei na UFRJ -, que me passou a paixão pelo contrabaixo…

Apaixonei-me de longa data pelo contrabaixo, ao ver outras paixões pelo contrabaixo, ao segui-lo, ao alcançá-lo…

Apaixonei-me há bastante tempo pelo contrabaixo, ao tocar numa orquestra, ao tocá-lo, ao tocar…

Apaixonei-me há algum tempo pelo contrabaixo, ao dar aulas, ao aprendê-lo, ao senti-lo desde sempre…

Apaixonei-me há pouco tempo pelo contrabaixo, ao escrever um livro sobre ele, ao ler sobre ele, ao vê-lo mais uma vez…

Apaixonei-me na semana passada pelo contrabaixo, ao assistir o recital de um colega e à apresentação de outro colega, ao ouvi-lo, ao sonhá-lo novamente…

Apaixonei-me hoje pelo contrabaixo, ao ensaiar numa orquestra nova, ao escrever essas linhas para vocês e ao me deparar com tantas lembranças…

Apaixonei-me pelo contrabaixo sei lá quando, ao descobrir que ele é a minha longa paixão, meu caso antigo, meu amor atemporal…

E apaixonar-me-ei por ele amanhã e mais que amanhã, tanto faz se da mesma forma ou de outras formas… E isso é o que me importa.

Parafraseando a linda música “Outra Vez”, de Isolda:

“(…) Das lembranças que eu trago na vida
O contrabaixo é a saudade que gosto de ter
Só assim, eu o sinto bem perto de mim outra vez…”  Sempre e para sempre meu…”

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Espero que vocês possam honrar a Revista FCBR on line com os olhinhos de vocês! Ela está bem diversificada, e vale a pena a visita!

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